terça-feira, 9 de novembro de 2010

"O tempo sagrado em Micea Eliade" Rodrigo Danúbio Queiroz

O TEMPO SAGRADO EM MIRCEA ELIADE

Rodrigo Danúbio Queiroz[1]




INTRODUÇÃO
                               

Em “A prova do labirinto” Eliade afirma que se lança aos estudos das religiões na tentativa de encontrar outras raízes capazes de explicar o homem europeu além do pensamento de Kant, Hegel e Nietzsche. A resposta poderia estar no resgate de certas raízes esquecidas, isto é, das civilizações arcaicas.

Como era a forma do homem arcaico de se orientar no mundo? Por meio de explicações míticas. Assim, a melhor via possível de se entender a existência deste homem primitivo no mundo é a via da religião. “Sentia que não podemos compreender o destino humano e o modo especifico de ser do homem no universo sem se conhecer as fases arcaicas da experiência religiosa”. (1987, p.21)


Perceberemos que o homem arcaico se orientava a partir de seus deuses num movimento de imitação do que é sagrado através dos rituais míticos. Esses rituais têm por objetivo tornar os homens contemporâneos de seus deuses. Não se pode compreender esses rituais sem compreender primeiramente o significado do Tempo, como este Tempo é expresso para estes os povos arcaicos e porque é considerado sagrado. Contudo, o conceito de Tempo Sagrado só pode ser percebido se já tivermos em mente o que é sagrado e como esse homem arcaico se define no mundo.


O SAGRADO.


O sagrado não implica necessariamente na crença em deuses. O Sagrado, segundo Eliade, é a experiência de uma realidade e a fonte de consciência de se existir no mundo. O sagrado é sempre a revelação do real, o encontro com o que nos salva, nos orienta, fornecendo um sentido à nossa existência.

O sagrado se manifesta por hierofanias (o sagrado se incorpora em qualquer objeto. Ex. pedra, animal, plantas, etc.). Uma hierofania representa uma escolha, uma nítida separação do objeto hierofânico relativamente ao mundo restante que o rodeia.

As hierofanias possuem a capacidade de se atualizar, isto é, de se revalorizar conforme o decorrer do tempo. Entretanto existem povos que se esforçam em manter o mesmo significado destas hierofanias. O sagrado é qualitativamente diferente do profano, embora possa se manifestar no mundo profano, por intermédio de hierofanias. À respeito do sagrado Eliade afirma em “Sagrado e Profano”:

“[...] para os “primitivos”, como para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última análise, à realidade por excelência. O sagrado está saturado de ser. Potência sagrada quer dizer ao mesmo tempo realidade, perenidade e eficácia. A oposição sagrado/profano traduz se muitas vezes como uma oposição entre real e irreal ou pseudo real” (2008, p.18)




HOMEM RELIGIOSO X HOMEM PRIMITIVO


Segundo Mircea Eliade, ao longo da história da humanidade, o homem assumiu duas situações existências que refletem a sua posição no Cosmos.  Essas duas modalidades de ser no mundo são, a saber: o sagrado e o profano.

O modo de ser sagrado é vivido pelo homo religiosus, este se constitui numa existência aberta, que permite transcender-se. “A vida é vivida num plano duplo; desenrola-se como existência humana e, ao mesmo tempo, participa de uma vida trans-humana, a dos Cosmos ou a dos deuses” (2008, p. 137)


Segue-se daí que sua vida é assimilada à vida cósmica: como obra divina, esta se torna a imagem exemplar da existência humana. Esta abertura para o mundo permite ao homem religioso conhecer-se conhecendo o mundo, esse conhecimento é necessário porque é conhecimento religioso, refere-se ao Ser. Isto que dizer que o homem religioso está em comunicação com os deuses e que participa da santidade do mundo.

O homem a - religioso descende do homem religioso, entretanto, como resultado de uma dessacralização. Ou seja, para o homem não-religioso sua existência se constitui na medida em que se liberta e se purifica das superstições de seus antepassados. Contudo, segundo Eliade, este homem profano ainda conserva os vestígios do comportamento do homem religiosos, mas esvaziados dos significados religiosos. “O homem moderno que se sente e pretende a - religioso carrega ainda toda uma mitologia camuflada e numerosos ritualismos degradados” (2008, p.166)


TEMPO SAGRADO X TEMPO PROFANO

Segundo Eliade o tempo é heterogêneo, ele se divide em dois, a saber: o tempo sagrado e o tempo profano. O tempo profano é aquele que é ordinário (cotidiano) na qual se inscrevem os atos privados de significado religioso. O tempo sagrado é repetível, circular, reversível, é o eterno presente. Simboliza um retorno ou uma reatulização com o sagrado.

O homem religioso vive assim em duas espécies de tempo. O mais importante é o tempo sagrado. Este está presente em todas as festas religiosas, todo tempo litúrgico, nos mitos e nas cosmogonias que representam a reatulização de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico.

O homem não-religioso também concebe o tempo como heterogêneo. Para ele existe o tempo monótono do dia-a-dia e tempo do lazer. Isto ocorre também quando escuta sua música preferida ou quando reencontra a pessoa amada. Entretanto, a diferença de concepção do tempo entre o homem religioso e o homem profano está na percepção desta heterogeneidade.

Em relação ao homem religioso existe uma diferença essencial. Este conhece intervalos que são “sagrados” que não participam da duração temporal que os precede e os sucede, que têm uma estrutura totalmente diferente e outra origem, pois se trata de um tempo primordial, santificado pelos deuses e suscetível de torna-se presente pelas cerimônias.

Do contrário, para o homem não-religioso essa qualidade trans-humana do tempo é inacessível. Este percebe o mundo sem rupturas e mistérios, o tempo é encarado como ligado a sua própria existência, começo (nascimento) e fim (morte).




TEMPLUM - TEMPUS

Eliade explora o conceito de templum-tempus buscando interpretar o Tempo sagrado. Templus exprime o espacial e tempus, exprime o temporal. Este dois elementos em conjunto exprimem – se como imagem circular espácio-temporal. Mas qual é a importância destas duas noções? O autor as usa para dar sentido à experiência do homem religioso, que vê o mundo como um espaço que se renova anualmente, e, devido a este renovo, busca a cada novo ano a santidade original da criação.

Nas culturas arcaicas, o homem religioso interpreta o Cosmos como uma unidade com movimento de vida circular dentro de um ano, ou seja, nasce (no inicio de cada ano), se desenvolve (no decorrer do ano), morre (no final do ano) e renasce (no inicio do ano vindouro) para completar o mesmo circulo.  A cosmogonia comporta igualmente a criação do tempo. Assim como a cosmogonia é vista como arquétipo de toda a criação, o tempus torna-se o modelo de todos os demais tempos.

No tempo mítico toda criação dos cosmos se inicia no começo do tempo, no principio de todas as coisas. Todo começo e recomeço implica em busca do estado puro. A cosmogonia é manifestação divina. É desejo do homem religioso está instalado nesta mesma realidade. Quando o homem religioso busca participar ritualmente da cosmogonia ele busca o seu renovo, sua purificação e sua regeneração para se tornar mais forte.

“[…] portanto um tempo sagrado e forte: sagrado porque transfigurado pela presença dos deuses. Forte porque era o tempo próprio e exclusivo da criação mais gigantesca que já se realizara: a do universo. Simbolicamente o homem voltava a ser contemporâneo da cosmogonia, assistia a criação do mundo.” (2008, p. 71)
                                                                                       

TEMPO FESTIVO

As festas religiosas ou os rituais têm por objetivo buscar reencontrar o tempo de origem, repetir o ato criador dos deuses. Quais seriam então os principais significados e importâncias desses ritos? Estas festas, conforme expõe o filósofo romeno, podem ser vistas como uma espécie de passagem do tempo profano para o tempo sagrado.

São essas reatulizações que voltam a ensinar aos homens a sacralidade dos modelos trans-humanos, ou seja, a imitar os deuses em diversos comportamentos. Esta reintegração do tempo sagrado da origem equivale-se a tornar os homens contemporâneos de seus deuses, isto é, a viver na presença deles. O homem religioso conhece a história da cosmogonia, de quando começou a Ser, pelo mito que é sempre apresentado através de uma narração da criação, dada por meio de uma revelação do divino

“Nas festas reencontra-se a dimensão sagrada da existência, ao se apreender novamente como os deuses ou os antepassados míticos criaram o homem e lhe ensinaram os diversos comportamentos sociais e os trabalhos práticos (2008, p.80)


FUNÇÃO DOS MITOS

O mito possui como função principal “fixar” os modelos exemplares de ritos e atividades humanas, como no trabalho, na alimentação, etc. Mas, por que imitar os deuses e se atualizar perante eles? Segundo Mircea, o homem religioso ao imitar os modelos divinos, resulta em manter-se no sagrado (realidade) e busca santificar o mundo através do comportamento.

O homem religioso só se torna um verdadeiro homem imitando os deuses que são conhecidos através dos mitos, daí o sentido de linguagem do sagrado, mesmo que isso implique na ação de um crime ou de uma situação degradante. No mito não há lugar para o profano, pois nenhum deus jamais revelou um ato profano, assim, tudo o que os homens fazem sem o modelo mítico não pertence ao sagrado.

O mito revela a sacralidade absoluta, o real, descreve as intervenções do sagrado no mundo e, por isso, entre muitos povos primitivos, não podem ser narrados de forma diferente. “Pelo simples fato da narração de um mito, o tempo profano é – simbolicamente – abolido: narrador e auditório são projetados num tempo sagrado e mítico” (1991, p.54)

Para Eliade as grandes crises do homem moderno são em grandes partes religiosas, na medida em são a tomada da consciência de uma ausência de sentido. A religião busca uma resposta à pergunta: Qual é o sentido da existência? Para estes, a resposta está no sagrado.

“Em suma, para o homem religioso das sociedades primitivas e arcaicas, a eterna repetição dos gestos exemplares e o eterno encontro com o mesmo tempo mítico da origem, santificado pelos deuses, não implicam de modo algum uma visão pessimista da vida, ao contrario, é graça a “este retorno” às fontes sagradas e do real que a existência humana lhe parece salvar-se do nada e da morte” (2008, p. 94)



A presente pesquisa ganha em valores qualitativos na medida em que se propõe a entender e conhecer as situações assumidas pelo homem religioso, compreender seu universal espiritual é, em suma, fazer avançar o conhecimento geral do homem. Embora a maior parte das situações assumidas pelo homo religiosus das sociedades primitivas e das civilizações arcaicas foram sendo ultrapassados pela história, ainda permanecem vestígios de suas modalidades de ser que contribuíram para que tornássemos aquilo que somos hoje, fazem parte, portanto, de nossa história.  Principalmente no que se refere à cultura brasileira que é marcada pela influência de um amálgama de religiões de vários cantos do mundo e que, seus traços e costumes, ainda permanecem em nosso dia a dia. Isto é, a experiência do homem religioso não deixou de se manifestar na civilização moderna.




REFERÊNCIAS


ELIADDE, Mircea – A Provação do Labirinto – Conversas com Claude-Henri Rocquet. – Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987.

ELIADE, Mircea.  - Imagens e Símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso.
 - São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ELIADE, Mircea. - Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1991.

ELIADE, Mircea. – O sagrado e o profano: a essência das religiões2° edição – São Paulo: Martins Fontes, 2008 (Tópicos).



[1] Resumo do projeto de pesquisa cientifica orientado pelo Professor Antonio Nunes Vidal, reelaborado para apresentação no III Simpósio de Pesquisa e Extensão em Filosofia – UFES (08 a 12 de novembro de 2010).