quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"O conceito de má-fé na obra “O ser e o Nada” de Jean Paul Sartre" Siloe Cristina

 O conceito de má-fé na obra “O ser e o Nada” de Jean Paul Sartre
Siloe Cristina

Analisaremos aqui as tentativas reflexivas que o homem faz para fugir da liberdade. Ante a responsabilidade de criar seus próprios valores e significar o mundo o homem inventa desculpas, justificativas e determinismos, tenta se eximir refugiando-se num falseamento existencial ou condutas de má-fé. 

Para compreender a tentativa fracassada de fugir da liberdade precisaremos desvelar as condições de possibilidade em que ela surge,  porque ela existe e como esse falseamento existencial é impossível de ser efetivado. Iniciaremos, portanto a partir da Obra “O Ser e o Nada” de Sartre, mostrando o que é o homem, consciência intencional, como isso implica a liberdade ontológica e absoluta, e porque essa liberdade absoluta é ao mesmo tempo concreta. Ela se mantém mesmo em crises, guerras ou tempos de escravidão, pois é em situação que o homem criará a si mesmo a partir do nada.

Por conseguinte veremos que a responsabilidade por seus próprios valores, por fazer a si mesmo pesa, gera a angústia e o homem tenta escapar a isso com desculpas ou anestésicos. Para tal vale tudo: personalidade, inconsciente, natureza humana, código genético, igreja, costumes, cultura, história, ideologias, conselheiros, demônios e o que mais puder fornecer uma justificativa pelos atos. 

Essa falsificação existencial porém, não pode ser tida como uma mentira ou um recalque do qual não tenho consciência. A mentira pressupõe uma tentativa de enganar o outro em que, tendo consciência da mentira, o mentiroso não acredita que a mentira seja verdade, deseja apenas ludibriar o outro. Enquanto que a má-fé é uma mentira de si a si mesmo, sem a polarização enganado-enganador já que, a consciência é intencional, como passaremos a ver, o homem é plenamente consciente do engano que ele mesmo faz[1]. Por não ser uma coisa, a consciência não tem um interior com essência pré-moldada ou personalidade que defina o comportamento, ela é translúcida sem um departamento onde engavetar as coisas ou uma substância que impulsiona a ação, é consciência de si a si, de ponta a ponta.

Os objetos ou mundo são “ser-em-si”, plenos, completos, sem interior ou exterior. Já o homem é “ser-para-si” pura relação intencional com o objeto, um processo que coloca o objeto como existente no mundo, percebe suas manifestações, identifica a mudança, o espaço e o tempo, significações que só ganham sentido porque uma consciência tem conhecimento delas[2]. A consciência é sempre consciência de “algo”. Isto é a intencionalidade, mais precisamente, movimento da consciência em direção às coisas.

Se “Toda consciência é consciência de [...] que não é” [3] o homem não se identifica com o objeto percebido ou imaginado, ele sabe que é consciência desse objeto, sem se confundir com ele. Por conseguinte o homem é uma negatividade essencial que não se identifica com o objeto visado, e por ele “não-ser” em seu modo de ser, ele pode desprender-se das coisas, e voltar-se pra elas.

O homem não se identifica com as coisas nem com ele mesmo: há uma falta de “si”,  é esse nada existencial constitutivo que o permite se movimentar e se dirigir em direção às coisas. Por ser incompleto ele busca esse “si” que lhe daria completude numa tentativa fracassada e paranóica: ter uma essência fixa e ainda assim permanecer como falta de ser aberta a possibilidades, isto é, ser-em-si-para-si.

Em suma o homem é ontologicamente livre por ser consciência intencional, falta de “si”, nada de ser, descolado das coisas, sem identificação com nada, vazio sem essência, sem determinações. A única possibilidade de existência do homem é ser liberdade absoluta.

Para demonstrar a condição humana Sartre usa em seu livro “O existencialismo é um humanismo” o exemplo de um corta-papel. Um corta papel é ser-em-si, objeto fabricado para exercer determinada função utilitária, sua essência e propriedades já foram definidas durante a produção antes de sua existência. Já o homem constrói a si mesmo, sua “existência precede a essência”. De inicio, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo, podridão ou couve-flor, nada existe antes desse projeto; não há inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser”. (SARTRE, 1999, P.6) O homem escolhe a si mesmo dentre as diversas ações concretas possíveis, mas uma decisão ou escolha não perdura para além do momento presente, pois as possibilidades não se esgotam.

Sartre usa o exemplo de um jogador viciado no qual todos os argumentos que ele organizou para não jogar ontem, e sua determinação em não jogar, não o determinam ou impedem que ele não jogue hoje. Ele é livre, e será confrontado com a possibilidade de jogar a cada momento. O passado é incapaz de determinar o homem. Com relação ao futuro, Sartre exemplifica com um homem caminhando a beira do abismo, a angústia surge quando percebe que naquele momento ele pode imaginar seu futuro voltando para cidade e tentar sair daquela situação com cuidado, como também poderia abrir os braços e se suicidar.... E não existe nenhum fundamento ou valor moral que o impeça de se jogar ou o force a voltar para sua casa. O futuro pode ser modificado a cada instante, e é na ação que o homem determina seus valores, não o contrário.

Só há o nada em nosso ser e, toda escolha é absurda porque não tem nenhum fundamento ou necessidade, no entanto a todo o momento somos confrontados por uma nova decisão, isto é a liberdade, que implica a ausência de justificativas bem como a total responsabilidade. A consciência refletida da liberdade absoluta pesa, é difícil suportá-la.

A pergunta a que se põe é: se o conhecimento do absurdo da condição humana é algo que pesa, gera angústia, é possível a um simples homem enfrentá-la? Sartre, como veremos, afirma que o homem esconde o sentimento da angústia não refletindo sobre ele, ou inventando desculpas para suas ações. Falsear a liberdade e fugir da própria condição ontológica se apresenta como um anestésico para angústia, por isso a reação mais comum é a má-fé. Incapaz de viver com esse peso, o homem mascara essa situação, forja um sentido para sua vida, inventa determinismos ou deixa-se levar pelo espírito de seriedade.

O sentimento de angústia não é apreendido a todo o momento por dois motivos: primeiro porque no cotidiano não colocamos a justificação de cada ato em jogo, nem adotamos uma perspectiva reflexiva diante de cada ação, e segundo porque inventamos desculpas tentando solapar a liberdade e assim a responsabilidade.

Rotineiramente agimos com “espírito de seriedade” como se existissem valores prontos provindos do mundo, as obrigações estivessem determinadas, ou como se certas empresas fossem impossíveis. Mas é a consciência que dota o mundo de significado, estabelece relações e as justifica logo, o homem não está na posição de passividade recebendo uma moral externa, ele é criador de valores, estes não existem por si. Antes da ação concreta todos os motivos possuem a mesma carga indistinta e sem força, é o homem que seleciona qual valor ele deve seguir quando age.

A outra forma de solapar a liberdade é mais explicita, nela existe a reflexão anterior ou posterior à ação, e para justificá-la elevo um motivo ao patamar de determinante comportamental. A crença em um determinante comportamental é impossível, se a consciência é consciência de ponta a ponta, ela “sabe” da sua tentativa de forjar um determinismo logo, a crença se destrói ao tentar nascer. Uma crença que não pode existir pois esbarra nos limites da translucidez da consciência, é pois, uma atitude de má-fé. A má-fé não chega a crer no que almeja crer, isto é, em suas desculpas, porém insiste em se iludir com essa falsa crença. Estas atitudes geralmente são: tentar estabelecer necessidades, forjar determinismos como valores prontos, moral, contexto ou situação, e acreditar ter realizado o projeto de se tornar ser-em-si-para-si, fingir ter uma essência, uma personalidade. Porém mostramos que o homem é um nada de ser, seu passado não o determina e a qualquer momento ele pode ressignificar o mundo e seu projeto, é impossível que se torne identidade definida, um objeto.

 “Tendo definido a situação do homem como uma escolha livre, sem desculpas e sem auxílio, consideramos que todo homem que se refugia por trás da desculpa de suas paixões, todo homem que inventa um determinismo, é um homem de má-fé” (Sartre, 1987, P.19)


Sartre chama de “campeão da sinceridade” quem exige que o homem se reconheça pela unificação de seus comportamentos e se defina como tal[4] O “campeão da sinceridade” tenta reduzir sua liberdade a ser uma coisa ou objeto agarrando-se numa essência para justificar os seus atos, isto é precisamente a tentativa fracassada de se tornar ser-para-si-em-si. “O que o existencialista afirma é que o covarde se faz covarde, que o herói se faz herói; existe sempre, para o covarde, uma possibilidade de não mais ser covarde, e, para o herói de deixar de o ser.” (Sartre, 1987, p. 14) Não há como negar que o covarde se fez covarde; isso seria negar as responsabilidades dos próprios atos e agir de má-fé. Porém, como projeto aberto a possibilidades, tentar se definir num bloco denso e impenetrável também é agir de má-fé.

O homem pode continuamente forjar argumentos e desculpas para se justificar sobre o que poderia ter sido ou ter feito colocando-se como vítima das circunstâncias. Porém o fato não determina a resposta humana, sou livre para escolher o modo como lidarei com a realidade. Escolher refúgios ou a acomodação em determinismos é ainda uma atitude livre, pois a má-fé só é possível a partir da liberdade absoluta, isto é, porque o homem é nada de ser em seu ser que ele pode negar-se, por ser falta de “si” pode buscar o “si” que lhe daria completude e falsear uma essência.

A liberdade aqui não é um adereço, não é externa, não é um dom outorgado, ela é o ser do homem. O único limitante da liberdade é a própria liberdade pelo posicionamento de um fim. Não é o lugar por ele mesmo que se constitui como uma adversidade ou uma finalidade, muito menos é o fato que estabelece a forma que lidarei com ele[5]. “...os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob condições escolhidas por ele, mas pelas condições legadas pelo passado...”. (Marx, 2000, p. 224) Escolher-se é escolher-se dentro desse mundo. Significo o mundo de acordo com o meu projeto, escolho o que seria pra mim uma adversidade a ser modificada e o que seria uma finalidade a ser atingida, porém, estar aqui ou ali, viver desse ou daquele modo é contingente. É a consciência que dota o mundo de significado e estabelece relação entre os objetos e fatos, coerência lógica, motivos, justificativas...

Em seu romance “A náusea” percebe-se como o personagem principal Roquentin tenta forjar aventuras e tenta organizar a vida do Marquês de Rollebon, ambas tentativas frustradas e fracassadas. A personagem percebe que só depois de ocorridos os fatos é que a consciência pode alinhavá-los, dando-lhes o nome de aventura, numa série encadeada e coerente, antes as ações não tinham nenhuma necessidade causal. A tentativa de estabelecer uma relação causal na vida de Marquês de Rollebon é frustrada porque o homem é ser-para-si e há sempre uma fissura que o separa das coisas, um fato ou acontecimento pode se tornar um motivo, mas não pode determiná-lo a agir de certa maneira, é na ação que o homem determinará quais os motivos foram mais importantes. Não existe nenhum fim que se imponha nem na arte, nem na vida, como um imperativo ao homem.

A má-fé existe posto que o homem é nada de ser em seu ser, uma existência sem sentido ou necessidades, e a consciência reflexiva dessa condição ontológica, esta que nos deixa sozinhos, culpados e sem desculpas pelo que fizemos de nós, leva à angústia. Preferimos no entanto falsear nossa existência, forjar necessidades e justificativas para nossos atos. Esse falseamento é sempre um projeto fracassado, primeiro porque é impossível modificar a condição ontológica de indeterminação e falta de essência, e segundo porque a liberdade é a única possibilidade de ação, tentar sucateá-la é ainda uma escolha, mesmo que seja uma escolha de má-fé.

Se a má-fé é a tentativa de solapar a liberdade “é pela assunção dessa consciência de liberdade - isto é, pela sua consideração ao nível posicional- que realizamos a possível “fuga radical” da má-fé indicada por Sartre”.( Burdzinski, 1999, p. 53). Ora, a superação da má-fé se dará pelo reconhecimento de que cada escolha é absurda porque não tem nenhum fundamento ou necessidade, de que nossos projetos para adquirir completude serão fracassados e assim modificá-los para um “fazer-se a si mesmo, a cada instante”[6].





















Referências
O drama da existência: estudos sobre o pensamento de Sartre / organizado por Igor Silva Alves, Paola Gentile Jacobelis, Renato dos Santos Belo, Thana Mara de Souza. São Paulo: Humanitas / FFLCH/USP,2003
Marx, Karl, O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, in Marx-Engels, Obras Escolhidas, Rio de Janeiro, Vitória, 1956
SARTRE, Jean-Paul, O Ser e o Nada, 18 ed, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009
                   . Jean-Paul, A Náusea, 7 ed, Rio: Nova Fronteira, 1991.
                   . Seleção de textos. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os pensadores)
Burdzinski, Júlio César, Má-fé e autenticidade: um breve estudo acerca dos fundamentos ontológicos da má-fé na obra de Jean Paul Sartre. Ijuí, Rs: Ed. UNIJUI,1999



[1] A consciência não tem divisão nem interior. Isto porque não tenho um Eu que permanece, não tenho essência, nem personalidade. Esse suposto ego é uma síntese de inúmeras consciências, ou soma das unidades de estados psíquicos, e o que relaciona todas as vivências e experiências vividas no passado é a própria consciência. O Ego surge nesse ato de reflexão, porém não sobre a própria consciência, mas sobre o passado ou as vivências. No momento em que penso a mim mesmo me cristalizo como objeto e deixo de ser consciência. Alguém que tentasse encontrar a própria consciência se depararia com o nada.

[2]  A imaginação, a intuição sensível, e os sentimentos, são de atos intencionais, são externos e transcendentes, formas da consciência lidar com o mundo, logo esta não se reduz à percepção nem ao conhecimento. Amor ou ódio, por exemplo, são a unificação das consciências e estados psíquicos numa reflexão impura, esta acredita na existência de tais sentimentos para além do presente consciente e do passado.
[3] “Isto pode ser também ilustrado pela metáfora do espelho. Da mesma forma como uma imagem qualquer que distinguimos em um espelho é esse mesmo espelho – posto que a imagem é a imagem espelhada – e, simultaneamente, não é o espelho – visto que a imagem é apenas o reflexo de um objeto necessariamente exterior ao espelho - , assim também a consciência é e não é ela mesma.”( BURDZINSKI, 1999, p.57)
[4] “é preciso notar que toda “coerência” só o é em vista do que já foi; ou seja, a idéia de coerência nos remete ao passado, pois só podemos ser coerentes em virtude daquilo que fomos. Conseqüentemente, e em segundo lugar, a sinceridade será sim possível, mas apenas se nos retermos aos atos que já foram praticados, aquela pessoa que fomos ontem, por exemplo.” (Malcom Guimarães Rodrigues, Consciência e má-fé no jovem Sartre, 2007, p.91)
[5] A facticidade do para-si é o que torna a liberdade concreta pois o homem não pode ser pensado como fora do mundo como se pudesse estar separado da realidade. Ser intencionalidade é estar em situação, em relação com o mundoSartre mostra como até mesmo no imaginário não estamos completamente desvinculados do mundo, porque para imaginar algo eu nego o mundo e tomo consciência de um objeto irreal, porém o mundo se mantém como pano de fundo.  Como por exemplo ao olhar uma foto e esta serve como analogon que nos remete à imagem de algo, posso negar o mundo naquele instante e imaginar uma pessoa ou uma viagem, porém o mundo real permanece como pano de fundo.
[6] “Implica-se aqui, ainda, uma profunda modificação do projeto existencial: trata-se de abandonar um projeto existencial “que é sempre um projeto de ser-em-si” por um projeto de fazer. Somente pelo abandono definitivo do projeto do para-si em constituir-se como ser- projeto cujo fracasso é inevitável, pois é ontologicamente inrealizavel-, podemos criar condições tais para que a má-fé, em todas as suas formas e variações, possa ser superado.” (BURDZINSKI, 1999, p. 70)

"A IMORTALIDADE DA ALMA NO FÉDON DE PLATÃO" Gideão de CarvalhoRosa


A IMORTALIDADE DA ALMA NO FÉDON  DE PLATÃO
Gideão de CarvalhoRosa




INTRODUÇÃO


O Fédon foi escrito na fase central pensamento de Platão, em um período de amadurecimento e de passagem da fase juvenil a uma fase de maturidade e maior originalidade de seu pensamento. É um diálogo em que participam Sócrates e seus discípulos, no dia em que o mestre teve que beber cicuta. O livro é uma descrição feita por um dos seus discípulos, chamado “Fédon”, pertencente a nobre família de Elis, a Equécrates de Flionte e seus companheiros, ansiosos por conhecerem em todos os seus pormenores o último dia de vida do sábio. A narrativa passa-se na prisão, onde, por ordem dos magistrados, o condenado devia beber o veneno antes do por do sol, pondo ele mesmo fim a sua existência.

Sócrates foi condenado à morte em Atenas em 399 a.C. por dois motivos: subverter a juventude com sua filosofia e não acreditar nos deuses da cidade. Além de Sócrates, cinco personagens participam da conversação: Criton, Fédon, Símias, Cebes, e um outro de cujo nome Fédon diz não se recordar. Platão não compareceu por motivo de doença, assim como outros discípulos. O assunto da conversação foi a imortalidade da alma.


ORIGENS E QUALIFIICAÇÕES DA ALMA ANTES DE PLATÃO 

Segundo B. Silva Santos (A imortalidade da alma no Fédon de Platão -1989), Platão como todo filósofo, não partiu do zero, tomou como fontes, Homero, o Orfismo, Heráclito e Sócrates dentre outros. Em Homero, a concepção da “psyché” era como simples “fantasma” ou “imagem do defunto”.  Não poucas vezes Homero chama a corporeidade visível do homem como o “verdadeiro homem” em contraposição a sua psyché, que é mera sombra, um hálito de vida que escapa do “sôma” com o último alento. A psyché é como imagem do indivíduo morto e vive no Hades, mas não lhe é atribuída o predicado de “imortal”.  Já o orfismo fala da presença no homem de algo divino e não mortal que é o nosso verdadeiro eu profundo, proveniente dos deuses e de natureza antitética ao corpo. É justamente a nossa “alma” que, na medida em que tem origem divina, preexiste e sobrevive ao corpo. O orfismo fala também da dualidade corpo-alma, considera a alma como o verdadeiro homem e como um ser divino “um daimon” que caiu no corpo por causa de uma culpa originária. Os filósofos da natureza buscaram um princípio para explicar o mundo. Entendiam a psyché como força vital que move o mundo. Não concebiam a alma humana como no orfismo (exceto Pitágoras e os pitagóricos). Em Sócrates a alma coincide com a  consciência pensante e operante/razão. A psyché socrática se diferencia seja do homérico “fantasma”, seja do “daimon órfico”, seja no sentido naturalístico dos físicos. Em Sócrates é estabelecida, pela primeira vez a natureza espiritual da alma. Diferentemente de seus predecessores, Sócrates manteve a unidade do homem, sem dissociar a alma da inteligência e, portanto, da personalidade consciente e inteligente. O homem, na definição de Sócrates, nada mais é do que sua própria alma. 



O FILÓSOFO DIANTE  DA MORTE

No diálogo, Fédon se surpreende com as atitudes e comportamento de Sócrates no seu último dia de vida. Poucas horas antes de sua morte, o filósofo demonstra estar feliz, tranqüilo, sem preocupações, não reclama do seu julgamento e condenação injustos e, sobretudo, ele demonstra profundo destemor diante da morte. Seus amigos e discípulos ficam perplexos diante de sua serenidade e querem uma explicação para essa atitude do filósofo. A explicação não poderia ser outra, a convicção na imortalidade da alma:

“...Não tenho razões para estar irritado. Mas ao contrário, tenho a firme convicção de que depois da morte há qualquer coisa – qualquer coisa, de resto que uma antiga tradição diz ser muito melhor.” Fédon 63c

“O homem que realmente consagrou sua vida a filosofia, é senhor de legitima convicção no momento da morte, possui a esperança de ir encontrar para si, no além, excelentes bens quando estiver morto” Fédon 64a     




SUICÍDIO

Sócrates é interrogado por seus discípulos acerca do suicídio, pois, se morrer é algo bom como ele estava anunciando, então por que não cometer suicídio e acelerar o processo de partida deste mundo para desfrutar (logo) dos prazeres do além. A resposta socrática é incisiva:
- Diz que o suicídio é fazer violência a si mesmo. Isso não era permitido;
- O corpo é o cárcere da alma; mas não cabe a nós libertarmos a nós mesmos;
- É uma impiedade (para aqueles que desejam a morte), buscarem eles mesmos esse benefício. Deveriam esperar por um benfeitor estranho (isso seria mais nobre);
- Os deuses que nos tem por guarda, somos propriedades deles, compete (exclusivamente) a eles nos libertar. São eles que determinam o momento da libertação. Para Sócrates o momento havia chegado.  



O CORPO COMO OBSTÁCULO PARA A ALMA

Há um forte apelo no Fédon, ao desprendimento das coisas materiais em detrimentos das coisas imateriais. O filósofo deve dedicar-se não aos prazeres materiais como por ex.: beber, comer, vestir-se bem, ter/desejar ter belos calçados etc. (deve buscar essas coisas por necessidade e não por prazer). Por conseguinte, deve voltar-se para a alma, voltar-se para o imaterial. Isto é, buscar a verdade e o conhecimento.
No movimento que se deve fazer para o interior - a alma -  Sócrates enxerga um grande obstáculo, o corpo. Então é necessário transpor o que é material (sensível), para alcançar a verdade. Na aquisição do conhecimento o corpo é um entrave. O corpo engana e atrapalha a alma de atingir a verdade. Pois, os sentidos são sem exatidão e incertos, logo não são confiáveis e, o homem que busca a verdade com auxílio do corpo é completamente enganado. Guerras, paixões, pelejas e tantas outras mazelas humanas são suscitadas pelo corpo e suas paixões etc.




PURIFICAÇÃO DA ALMA

Fica claro no diálogo que a purificação da alma é o ideal a ser perseguido nesta vida e, purificar é separar o mais possível à alma do corpo, habituando-a a recolher-se e a fechar-se em si mesma e, alheia a qualquer elemento corpóreo, permanecer tanto quanto possível inteiramente desligada do corpo com suas cadeias.  Assim, o verdadeiro amante do saber, o filósofo, aspira pela morte, na medida em que é neste momento que a alma se separa do corpo e vai ao encontro do mundo realmente puro onde poderá entrar em contato com as idéias e o verdadeiro conhecimento, com a eternidade, perfeição e harmonia.
Platão considera a alma humana como um ser eterno (co-eterno às idéias), de natureza espiritual, inteligível, caído no mundo material como por uma espécie de queda original. Deve, portanto, a alma humana, libertar-se do corpo, como uma espécie de cárcere. Esta libertação, durante a vida terrena, começa e progride mediante a filosofia, que é a separação espiritual da alma do corpo, e se realiza com a morte, separando-se então, na realidade a alma do corpo. Conforme:  

“Quanto à espécie divina, a ela não chegarão os que não filosofaram, Os que não se separaram do corpo perfeitamente, os puros. A ninguém é lícito chegar ali (Hades, Mundo Inteligível) senão ao filósofo, o amante do saber.” Fédon 82c

Segundo W. Jaeger, em Platão se reconhece, aquele que primeiro elaborou o conceito de conversão, que depois foi amplamente utilizado pelo cristianismo. (Paidéia 531ss). E para G Reali, filosofar para Sócrates significa: examinar, provar, curar, purificar a alma (G. Reali – Platão 25). O valor infinito da alma de cada homem é um dos pilares da religião cristã. Antes, porém, de o ser desta religião, já é um pilar fundamental da filosofia e da educação socrática. 


O PROBLEMA DA IMORTALIDADE DA ALMA

Cebes, um dos interlocutores do diálogo, questiona a necessidade de tratar a questão da imortalidade da alma a fim de poder justificar a esperança do filósofo em face da morte. Ele reflete:
- É possível que a alma, uma vez separada do corpo, não exista mais em nenhum lugar.
- Talvez no mesmo dia em que o homem morra, ela se destrua e morra. Se dissipe como um sopro, ou como fumo, assim esvaindo-se e desfazendo-se, nada mais seja em nenhum lugar.
- Torna-se necessário, uma justificação a qual não será provavelmente uma pequena coisa para se fazer, acreditar que depois da morte de um homem a alma subsista com uma atividade real e um pensamento. (com a capacidade de pensar).



O ARGUMENTO DOS CONTRÁRIOS

“Em suma, no Hades estão as almas dos mortos, conforme diz uma antiga tradição. Lá  se encontram as almas dos que foram daqui, e elas novamente, para cá voltam e renascem dos mortos” Fédon 70d

O primeiro argumento em favor da imortalidade da alma, começa evocando a antiga doutrina órfica da regeneração das almas ou da metempsicose, segundo a qual, as almas que nascem neste mundo provêm do outro mundo, do mundo dos mortos. O Orfismo era uma religião de mistérios no antigo mundo grego, difundido a partir dos séculos VII e VI a.C. Seu fundador teria sido o poeta Orfeu , que desceu ao Hades e retornou. Os mistérios órficos prometiam vantagens no além-vida. Além disso o orfismo, caracterizava as almas humanas como divinas e imortais, mas condenadas a viver (por um período) em um círculo penoso de sucessivas encarnações através da metempsicose ou transmigração de almas.

Prova...
Sócrates procura validar a crença órfico-pitagórica na metempsicose, provando-a de acordo com uma lei geral do universo: a derivação cíclica dos opostos por seus opostos (tudo se origina de seu contrário).

Sobre a origem dos contrários, Heráclito já dizia que, o devir se realiza por meio da contínua passagem de um contrário a outro; o contraste entre elementos opostos em perene e recíproca alternância é a lei que regula o mundo. Tudo está em fluxo, mas a realidade, possui uma unidade básica, uma unidade na pluralidade. Esta unidade pode ser entendida também como a unidade dos opostos. Heráclito vê a unidade marcada pelo conflito entre opostos (fr. 53,126,80), conflito que não possui um caráter negativo, sendo a garantia do equilíbrio, através da equivalência e reunião dos opostos (fr.10). Aludindo a Heráclito, Sócrates diz que em toda parte onde existe uma oposição de contrários, emerge o princípio geral de toda geração.

Sócrates faz então uma generalização indutiva: O maior nasce do que antes era menor; o mais forte nasce do que era mais fraco; o mais rápido nasce do que era mais lento; o processo de aquecimento implica a passagem do frio ao quente; o processo de esfriamento implica a passagem do quente ao frio; o acordar é o processo de passagem do estar dormindo; o adormecer é o processo de passagem do estar desperto etc.
Aplicando este princípio, aos contrários “vida e a morte”, podem-se dizer que há duplo processo, um que vai do vivo ao morto e outro que vai do morto ao vivo.

É impensável que a lei geral que regula o devir faça exceção justamente nos contrários “vida e morte”, visto que, se existisse um só processo do vivo ao morto, em certo momento, tudo terminaria no estado de morte, e tudo cessaria de ser. Isto quer dizer que se o processo das gerações ocorresse em linha reta, sem compensação recíproca da geração, tudo seria imobilizado e acabaria no caos. Por isso, esse movimento é cíclico.

O que se depreende deste argumento é que a alma é imortal. Ela permanece viva e ativa, seja no mundo terreno, seja no Hades. Segundo Sócrates, é verdade que os vivos nascem dos mortos e que as almas continuam a existir em algum lugar, do qual retornam ciclicamente. As várias analogias na natureza indicam esta verdade.


O ARGUMENTO DA REMINISCÊNCIA

“Aprender, não é outra coisa senão recordar. Se isso de fato é verdadeiro, não há dúvida que, numa época anterior, tenhamos aprendido aquilo de que no presente nos recordamos. Ora, tal não poderia acontecer se nossa alma não existisse em algum lugar antes de assumir, pela geração, a forma humana. Por conseguinte, ainda por essa razão é verossímil que a alma seja imortal” Fédon 73a

O segundo argumento apresentado por Sócrates é o da reminiscência. Neste argumento, Sócrates esclarece que o nosso saber não é precisamente outra coisa senão reminiscência, pois, aprendemos em tempos anteriores àquilo que presentemente nos recordamos. Isso não seria possível se a nossa alma não estivesse em algum lugar antes de tomar pela geração esta fórmula humana. Adquirimos antes do nascimento o conhecimento do Belo em si, do Bom em si, do Justo em si, do Santo em si (coisa em si – realidade em si), etc. Assim, antes de nascer, a nossa alma já contemplou as formas perfeitas no mundo inteligível. Instruir-se consiste em recuperar o saber que já nos pertencia. È um recordar-se, pois, o nosso saber nada mais é do que reminiscência do conhecimento contemplado anteriormente.   

A percepção sensível dos objetos materiais desperta na alma a recordação das coisas contempladas no mundo inteligível.  Ou seja, quando as pessoas ou almas entram em contato com as formas da natureza, aos poucos uma vaga lembrança vai emergindo dentro de sua alma. A alma experimenta, portanto, um retorno (recordação) das coisas contempladas na sua verdadeira habitação.  Aquilo que vemos no mundo dos sentidos são apenas sombras (reflexos) da realidade do mundo das idéias. Sócrates considera todos os fenômenos da natureza meros reflexos das formas eternas, ou idéias.

A conclusão desses dois primeiros argumentos é que: as almas existem, antes de sua existência numa forma humana, separada dos corpos e em posse do pensamento.  Possuem razão e inteligência.  

Para os interlocutores de Sócrates, ainda não havia sido demonstrado que a alma sobrevive à morte. Os dois argumentos demonstraram a pré-existência da alma. Faltava demonstrar a pós-existência.





TEORIA DAS FORMAS OU IDÉIAS


“A alma se assemelha ao que é divino, imortal, dotado de  capacidade de pensar, ao que tem uma forma única, ao que é indissolúvel e possui sempre do mesmo modo identidade. O corpo, pelo contrário, equipara-se ao que é humano, mortal, multiforme, desprovido de inteligência, ao que está sujeito a decompor-se, ao que jamais permanece idêntico.” Fédon 80b


Sócrates desenvolve o terceiro argumento partindo de um duplo postulado do senso comum: primeiramente uma distinção entre coisas simples e coisas compostas. Pressupõe-se então que, as coisas compostas se decompõem em partes constitutivas e, as coisas simples não se decompõem. Mas, conservam sempre sua natureza.  

Corpo e alma na relação – simples e composto
O que é composto por natureza tende a separar-se, por exemplo, o corpo. As partes dividindo-se morrem ou desaparecem. O que é simples, por sua simplicidade, não pode desfazer-se, separar-se, desaparecer ou morrer, por exemplo, a alma. Para Anaxágoras e Empédocles, o desaparecer nada mais é do que a decomposição ou degradação de substâncias anteriormente unidas num corpo composto.

Sócrates apresenta neste argumento a sua grande descoberta: as duas espécies do ser ou as duas realidades, os dois mundos: Sensível e Supra-sensível.  

Características da realidade sensível: humana, mortal, suscetível de decomposição, mutável (ora se comporta de um jeito, ora de outro), visível, material, acessível ao toque dos sentidos, composto, tende a perecer.
Características da realidade supra-sensível:  divina, não composta (escapa ao processo de decomposição),  imutável (mantém sua identidade-essência, não tem qualquer alteração), invisível, imaterial, captada pelo pensamento, imperecível.

A natureza da alma se revela congênita com o mundo das idéias. Assim a alma humana é capaz de conhecer as coisas imutáveis e eternas; pois, possui a condição sine qua non,  para acessar as formas perfeitas do mundo inteligível, uma natureza que lhe seja afim.  


Conclusão do terceiro argumento
A alma se assemelha (ou possui parentesco) com as idéias (ou formas) que são eternas e imutáveis, logo, a alma humana é imortal.  
A alma é simples e não composta. Assim, não está sujeita a decompor-se ou perecer (é imperecível). A alma humana é imortal.

Na cosmologia de dois mundos de Platão, um deles é o mundo cotidiano de mudança e transitoriedade. O outro, é um mundo ideal, povoado por “formas ideais”. O primeiro, o mundo do vir-a-ser, ou devir, estava em fluxo, como Heráclito insistira, mas o segundo, o mundo do Ser, era eterno e imutável como dissera Parmênides.  Com essa Teoria, Platão tenta resolver tensão entre Heráclito e Parmênides, a tensão entre movimento e permanência, entre Ser e Vir-a-ser. Platão procurou uma síntese que explicasse tanto mudança como permanência, que incorporasse ser e vir a ser, como pólos de uma dialética que parece ser exigida por uma visão abrangente da realidade.



CONCLUSÃO

Com esses argumentos, Sócrates responde acerca do problema inicial apontado por Cebes, “se a alma subsiste após a morte com uma atividade real e um pensamento”. A resposta socrática é afirmativa. A alma após a morte, não é destruída nem se desfaz, mas, permanece ativa no mundo inteligível (ou no Hades). No Mundo Inteligível, ela pode contemplar a coisas-em-si,  as coisas na sua forma perfeita. Assim, a alma é imortal e possui, mesmo após a morte do homem, uma existência real e posse do pensamento ou razão.
Neste diálogo, Platão deixou para o pensamento ocidental uma forma de abordagem da psyche humana que até então ninguém antes tinha apresentado. Ninguém havia falado tão  profundamente sobre a alma humana, como ele o fez no Fédon. Depois deste diálogo, tudo que se produziu sobre a alma/imortalidade teve este como referência.
Também podemos dizer que as influências foram diversas, nas crenças, nos dogmas, em particular no cristianismo (teologia), filosofias/metafísica, psicologia e o pensamento ocidental como um todo.




BIBLIOGRAFIA


Platão, Diálogos – Fédon . São Paulo: Victor Civita, 1972. Tradução de Jorge Paleikate e João Cruz Costa.
Santos, Bento Silva. A imortalidade da alma no Fédon de Platão: Coerência e legitimidade do argumento final. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989.  
Szlezák, Thomas Alexander. Platão e a Escritura da Filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
Reali, Giovanni. Platão. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
Jaeger, Werner. Paidéia, a Formação do homem Grego.São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1992.



















"Mito, Grécia Antiga, Contemporaneidade". Tony Craus

Mito, Grécia Antiga, Contemporaneidade.
Tony Craus

Resumo

Trata-se de uma narração histórica mitológica. Tudo vai se iniciar com o “Caou”, passando pela geração do mundo, as lutas pelo poder, as artimanhas e os castigos, até chegar no mundo onde os homens estão instalados e como o grego conhece. Daí pra lá, serão abordados os costumes gregos. O caminho a ser percorrido fará uma demonstração de como os mitos estão impregnados em toda cultura grega antiga, o mito é mais que uma religião, é a própria forma de vida, é a realidade que salta aos olhos.
 Tentar-se-á demonstra que esta mitologia, embora não seja como a originária, perpassou seu tempo e ainda hoje somos colocados diante destas narrativas, seja em jogos de vídeo game, em filmes, desenhos animados que se utilizam de um personagem mitológico em seus episódios, propagandas de televisão etc. Por fim se faz uma sugestão de como estás narrativas podem ser utilizadas em um primeiro momento nas aulas de filosofia, servindo os mitos como ponto de partida, uma vez que eles não são estranhos aos jovens educados. Podendo o educador fazer ligações com outros ramos da filosofia e migrar para outros assuntos a partir da mitologia.
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Se fosse possível perguntar para um grego que viveu no período clássico  como se deu a formação do mundo. Essa resposta viria cheio de aspectos mitológicos. Falar em mito, não é falar em histórias da carochinha, para cultura que participa do mito, ele é o real que salta aos olhos.

Voltando a questão: como se fez o mundo, como a vida se originou, no ponto de vista do grego antigo? Está resposta é carregada de mitos, e esses mitos dão conta de toda a existência da vida e do mundo como o grego conhece. O que vai seguir é uma demonstração de como o mito influenciou no cotidiano do grego, nas relações de um cidadão com o outro, na expansão territorial, na defesa da cidade, na guerra, na agricultura, no amor, nas artes, no mundo como ele, o grego, entende, enfim, toda a realidade do grego antigo é de alguma forma, vazada pelo mito.

Segundo o grego antigo, no inicio não existia nada além do Caos, o Caos era uma massa desformica, cinzenta, onde a harmonia não se fazia presente, seu interior era um espaço de queda sem fim, sem fundo. Além do Caos nada existia. Em dado momento, essa massa originaria, gerou de si mesmo Gaia, que é o planeta Terra. Estas entidades vão se relacionar, deste relacionamento nasce Urano, que é o espaço a cima de nossas cabeças. Gaia e Urano se completam. De forma que para cada pedaço de terra existe um pedaço de céu. Eles vão se unir em um relacionamento, onde Urano não se desunirá mais de Gaia por livre vontade. Urano temia perder seu trono, e sabia que um de seus filhos poderia querer tomar o poder, o fato dele não se desacoplar mais de Gaia é estratégia, uma vez que seus filhos não podem nascer, pois não existe passagem, não há a possibilidade dele ser destronado.

Urano não contava com a cólera de Gaia, que se sentindo inchada, com fortes dores de parto, os filhos lhe pesava, a incomodava, ela sentia a necessidade de dar a luz. Gaia vai tramar contra o marido, ela vai convocar os filhos a castrarem o pai. Seus filhos são os Ciclopes, os Cem Braços, os Titãs, e as Titânidas. Somente o titã Cronos atende ao apelo materno, seus irmão sentem medo e preferem não interferir no relacionamento de seus pais. Cronos então castra o pai com um material forjado por sua mãe, pega o membro viril de seu pai, agora amputado, e o lança no mar. Neste movimento nascem novas entidades: do sangue que jorra de Urano sobre Gaia, nascem as ninfas e os gigantes, criaturas que já nascem adultas, prontas para a guerra. Além desses, também nascem as Erínias, essas entidades são responsáveis pela vingança. Futuramente, quando existir a vida humana na terra, são as Erínias que vão vingar as pessoas das injustiças cometidas. Tratar mal um mendigo, matar um parente, são o tipo de atitude que atraem as Erínias, e elas não deixam de assombrar o malfeitor nem no Hades. Observe que essas entidades dizem respeito a criaturas violentas, ou prontas para guerra, ou para vingança. Do membro viril de Urano que é arremessado por Cronos no mar, nasce a deusa Afrodite, que se tornará uma deusa Olímpica. Os atos violentos de Cronos não param por ai, após destronar o pai, Cronos vai aprisionar os irmão no Tártaro, esse (o Tártaro) é uma parte da Terra que se assemelha ao Caos, sendo ela (Gaia) descendente direta do Caos, o Tártaro é a parte da hereditariedade que ela herda dele. Os únicos que caminharão na face da terra tendo como governante Cronos, serão os seus irmão semelhantes, os titãs e titânidas.

Assim está posto um novo governo e um novo governante. Gaia e Uranos só se relacionarão durante as chuvas fecundas, possibilitando assim o nascimento da relvas e florestas na terra.

Cronos não querendo ser destronado, adota uma postura semelhante a de seu pai, optando por não deixar seus filhos virem a ser, a diferença é que Uranos não se desacoplava de Gaia, impedindo assim que seus filhos nascessem, Cronos deixará seus filhos serem paridos, porém, os devorara logo após o nascimento.

Suas esposa Rea, indignada com a violência do parceiro, igual a Gaia, tramará contra o marido, e vai esconder o filho mais novo após o nascimento. Entregando a Cronos uma pedra, sem que ele perceba, para ser devorada no lugar do filho.

O filho mais novo, Zeus, é criado em segurança numa gruta por ninfas, no momento oportuno, Zeus desafiará o pai, antes, ele tem a idéia de dar um antídoto, um vômito a Cronos, para ele lançar os filhos na terra, para isto, Zeus contará com a ajuda de Rea. Dado ela o antídoto a Cronos, e sendo os filhos libertados do pai, se inicia uma guerra que durará dez longos anos, sendo que um longo ano pode durar de cem a mil anos.

No final, Zeus e seus aliados vencem o confronto, pesou na balança a ajuda que Zeus recebeu do titã, Prometeu, que se volta contra Cronos e vai auxiliar Zeus no âmbito político, Zeus liberta seus tios, que foram aprisionados no Tártaro por seu pai, recebe o Raio como presente e se torna invencível.

Zeus vai fazer o movimento de dividir o poder entre seus aliados. Cada deus terá seu campo de atuação reservado. Zeus dividirá também o governo do espaço físico com seus irmão, a Posêidon caberá governar nos mares, ao deus Hades, é concedido o próprio Hades (local reservado as almas após a morte), a Terra e o Olimpo serão um território comum a todos os deuses, e o vasto céu ficará sob o governo de Zeus, o deus supremo e inigualável.

Porém Zeus não é tão diferente de Urano e Cronos, em dado momento Zeus vai perceber que um herdeiro dele com a deusa Métis, poderia ser mais poderoso que ele, e poderia destrona-lo, uma vez que Zeus era o deus mais potente e muito ardiloso, sendo a deusa Métis a mais sabia entre os deuses, esse filho poderia ser mais poderoso e sábio que o pai. Então Zeus começa um jogo ardiloso com a esposa visando derrota-la, em um jogo de palavras e provas ele convence Métis a se transformar em água dentro de um copo, neste momento, Zeus a engole com o filho no ventre. Não sabia ele que tempos depois, esse filho (Atenas) nasceria dele mesmo. Sentindo fortes dores de cabeça, Zeus chama os deuses para socorrê-lo, neste momento Atena explode de sua cabeça, ela é a deusa da justiça, que nasce com o escudo e a lança empunhados e o elmo na cabeça.

Feita a separação entre os deuses, chegou a vez da demarcação de diferença entre os homens e os deuses.

Diz o mito, que na época de ouro, os deuses e os homens habitavam juntos na terra, eles banqueteavam e bebiam juntos, os alimentos sempre estavam à mesa, ninguém os colocava ou tirava, as coisas aconteciam assim mesmo, a terra dava seus frutos sem nenhum esforço humano, e as coisas se organizavam na mais perfeita harmonia. A vida do homem era banquetear e desfrutar da companhia dos deuses, eles passavam o dia todo em festa escutando as musas cantarem as histórias e as aventuras dos deuses. Nesta época a muito passada, não existia o sexo feminino da criatura humana, só existia o gênero masculino desta espécie, observe que o sexo feminino já existia, temos a própria Gaia, as ninfas, as titânidas, as deusas etc.

Os homens nasciam diretamente de Gaia, eles simplesmente levantavam da terra e saiam andando, não existia a infância, os homens já nasciam adultos, não havia também a morte, em dado momento o homem se deitava, adormecia, e ia desaparecendo. Se tratava de um tempo majestoso.

Zeus, sentindo a necessidade de fazer uma demarcação visível entre os homens e deuses, vai convidar o titã Prometeu a realizar o tal diferencial.

Não que os homens de Alguma forma pudessem ser confundidos com os deuses, embora ambos tenham a mesma origem, a mesma mãe, não seria errado afirmar que de fato, os homens tem algo de divino, assim como os deuses tem algo de mundano. Porém, os homens são limitados, fracos, e tem uma duração. Os deuses não são infinitos, mas são a negação dos homens, poderes, potência, força além da força, eternidade, plenitude, se alimentam de ambrosia e néctar, tudo isto faz parte do mundo dos deuses e os tornam o que são.

O titã Prometeu foi escolhido por Zeus para demarcar esta diferenciação entre deuses e homens, os próprios homens não poderiam faze-lo, pois não tinham competência para isto, se os deuses o fizessem, seria uma covardia, nada mais justo que um titã para resolver tal questão. Prometeu era um titã que tinha grande afeição pelos homens, e decide fazer a diferenciação de forma a favorecer os homens. Em um altar, o titã vai sacrificar um touro, desnudará os ossos maiores do touro e fará um embrulho em volto de gordura, isso fica agradável aos olhos. A carne do animal, ele colocará dentro do estomago da vitima e o costurará, fazendo um embrulho medonho, repugnante aos olhos. Terminado este movimento, Prometeu convidará Zeus a escolher um dos embrulhos em nome dos deuses. É claro que Zeus percebe as artimanhas do titã, e resolve fazer seu jogo, escolhendo o embrulho que este confeccionara de forma agradável. Antes porém do ato ser consumado, Zeus pronunciará: “ Ah Prometeu, você que é tão ardiloso, fez uma divisão tão desigual.” Escolhendo Zeus o belo embrulho e constatando que ali só haviam ossos, se enfurece contra o titã, não pelo fato dele ter enganado o deus, mas por julgar que poderia fazer isso. Os deuses não se alimentam de carne, eles se alimentam de ambrosia e néctar, quando Zeus escolhe os ossos, ele sabe o que está fazendo, os ossos são o que mais se aproxima da imortalidade no homem, é aquilo que fica após o apodrecimento da carne, é o que da forma ao corpo, de fato, Zeus não tinha nenhuma intenção de ficar com a carne do animal, mas se zanga com a tentativa do titã de ludibria-lo.

Zeus resolve punir os homens para castigar a Prometeu. Zeus vai retirar da terra o fogo, o mesmo fogo que se utilizava no alto Olimpo, os homens terão que comer seus alimentos crus. Prometeu vai até o Olimpo, como quem não quer nada, e rouba uma semente do fogo de Zeus, e o da aos homens. Esse fogo porém é diferente, tem que fazer o movimento de nascer, se nasce, pode vim a morrer. Ele fogo não tem medida, tem que ser alimentado dia pós dia, caso contrário, se apaga, morre, o fogo consome tudo que lhe é oferecido, não tem controle, destrói florestas, casas e cidades, e no final, ele sempre quer mais, nunca se sacia.

Do auto Olimpo Zeus percebe que o fogo se faz presente na terra, e que os homens, com algum custo, conseguem desenvolver uma técnica para controlá-lo. Zeus, achando a condição humana agradável, resolve pregar uma peça em Prometeu, Zeus convocará outros deuses para confeccionar Pandora, a primeira mulher, linda, admirável, um presente impossível de se negar. Pandora é dotada de um corpo maravilhoso e um espírito de cadela, de ladra, os homens desejam aquilo que deveriam temer. Semelhante ao fogo, Pandora não tem medida, é insaciável, a tudo consome e no final sempre quer mais. Com Pandora nascem os males que a humanidade vai conhecer, o nascimento não se dá mais por Gaia, agora a procriação vem da própria espécie, com isso as doenças, o cansaço, os acidentes e a morte passam a fazer parte do cotidiano humano.

Se percebe que o movimento de confecção de Pandora é semelhante ao primeiro embrulho que Prometeu fez, uma coisa bonita por fora, que é outra coisa, um engano, uma mentira por dentro, com isso, o titã é enganado a sua maneira.

Assim se daria a explicação de como o mundo vem a ser na concepção do grego. É claro que os mitos gregos não param só na explicação da formação do mundo, é muito mas que isso, esses mitos são usuais, estão no dia a dia do grego antigo, é impossível se comunicar com um cidadão grego, sem se levar em conta seus mitos, pois são esses mitos que movimentam a cidade e a vida do individuo. Existem deuses para tudo, para guerra, para agricultura, para caça, deuses do amor, deuses da justiça etc. não se faz nada sem antes honrar os deuses. Os deuses são da cidade, não existe cidade sem entidade protetora. A primeira pedra da construção de uma cidade é o altar. Todas as cidades tem um templo, não servindo este templo de um ambiente que se utilize para cultuar o deus, não é uma igreja, esse templo é um local publico, onde o deus se instala, se trata da morada do deus. No templo é colocada uma estatua do deus, esta estatua não representa o deus, ela é o próprio deus, um deus passa a habitar em um objeto quando este lhe é consagrado, assim, o individuo pode ter o deus em ambientes dentro de sua casa. O altar é exterior ao templo, e vai servir de local para se festejar e honrar o deus. As festas, ou honrarias, aconteceram em grande parte no formato que o titã Prometeu fez. Inicialmente se pega um animal, na maioria das vezes caseiro, o mais nobre é o boi, mas cabras são muito utilizadas também. Se leva este animal até o altar com muita musica, vinho e festa, chegando no altar, o animal é degolado, uma pequena espada (mochaira) corta o pescoço do animal, o sangue que jorra é lançado sobre o altar, quando o sangue vai escorrendo, ele é armazenado dentro de um jarro. O fígado do animal é analisado para vê se o sacrifício é aceito pelos deuses, se for, seus ossos maiores são desnudados, envoltos em gordura e ervas aromáticas, e são queimados, o sacrifício sobe em forma de fumaça para os deuses, neste mesmo fogo que se queima os ossos maiores dos animais, se grelha a carne, e é feita uma refeição entre todos os participantes ali mesmo, esta é a forma de se comunicar e honrar os deuses.

Esses mitos também vão explicar a potência de outros homens muito extraordinários para serem vistos como homens, se trata dos heróis. Eles são filhos de deuses com humanos, mortais como os homens, mas com um diferencial que lembra um deus, podem ser citados exemplos como Aquiles, que na guerra de tróia é o melhor dos guerreiros, ou Hercules, o mais forte de todos os homens.

Está religião não se preocupa com questões individuais, o homem não se preocupa com o percurso de sua alma, até porque só existe um caminho possível após a morte, que é o Hades, a preocupação do grego é com a polis. Sua religião também não conta com uma escritura sagrada, ela é usual, transmitida de geração em geração. O grego não conta com uma casta sacerdotal, qualquer cidadão grego pode presidir uma cerimônia, desde que conheça uma serie de narrações dos mitos, isso é o suficiente para o cidadão presidir um ritual.

É perceptível que muita coisa desta cultura extraordinária se perdeu, mas muitas de suas narrações perpassaram o tempo, e continuam vivas e mexendo com o imaginário de muitos de nossos contemporâneos, não são poucos os exemplos que podem ser dados de criaturas mitológicas que fazem parte de nosso dia a dia, seja nas propagandas de televisão, onde uma criatura é re-apropriada (Centauro), sejam nos filmes e minisséries (Fúria de Titãs, Hercules etc.), em material esportivo (Minotauro), ou desenhos animados (ai os exemplos são inumeráveis), em jogos de vídeo game (O Deus da Guerra) etc.

Chama a atenção em como estas narrações mitológicas, podem ser utilizadas em um primeiro momento nas aulas de filosofia, uma vez que isso faz parte do cotidiano do individuo educado, existe uma possibilidade muito maior dele achar tais questões interessantes, do que se manter apático a tal estudo. Pois pergunte a adolescentes, que assistiram ao ultimo filme que tratava sobre seres mitológicos, se eles gostaram ou não. É possível de se ter um ponto de partida prazeroso na área da educação, e a partir dai migrar para outros ramos da filosofia.
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