segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"Da paixão tristeza e da sua natureza no contexto da depressão pós-parto manifestada no período puerperal" Soraya De Lima Cabral Conturbia

Da paixão tristeza e da sua natureza no contexto da depressão pós-parto manifestada no período puerperal
Soraya De Lima Cabral Conturbia

Resumo: Essa pesquisa é o estudo acerca da paixão tristeza no contexto da depressão-pós-parto manifestada no período puerperal, com base teórica nas obras de René Descartes e Sigmund Freud. O objetivo desta pesquisa é trabalhar com mulheres que apresentem um quadro de risco após o parto, pois na gestação e no puerpério a mulher passa por uma série de transformações físicas e psíquicas que pode predispor ou mesmo intensificar a tristeza ou a DPP. Como parte integrante da metodologia que serão usadas nessa pesquisa, entrevistas pessoais e abertas no modelo de escuta psicanalítica. Os resultados e os impactos esperados desta pesquisa visam ao efetivo estudo e compreensão da “paixão-tristeza” que as gestantes e puérperas sofrem no período da maternidade. Esta pesquisa encontra-se inserido no projeto “PARTHOS - Estudo sobre a relação entre corpo e alma a partir das paixões manifestadas nas mulheres durante o período perinatal fundamentado nos pensamentos de René Descartes e Jaques Lacan” que é desenvolvido desde 2006.

Palavras chaves: Paixões, tristeza, alma, corpo, depressão pós-parto

1-Introdução
O trabalho que será aqui descrito encontra-se inserido no grupo de pesquisa e intervenção “PARTHOS” que é desenvolvida desde 2006 e tem como objetivo identificar os sentimentos vivenciados pela mulher no período perinatal e no puerpério. Para esta pesquisa iremos focar o sentimento da tristeza no período puerperal, trabalhando especificamente com a depressão pós-parto, como ela ocorre e como podemos diagnosticá-la para poder ser tratada.
René Descartes, filósofo moderno, publicou sua obra em 1649, chamada “As Paixões da Alma”. A partir daí, propôs que, para conhecer as paixões da alma, é preciso distinguir entre suas funções e as do corpo. A alma está unida ao corpo, não havendo algo que esteja mais diretamente ligado ao corpo do que a própria alma. Sendo assim o que na alma é uma paixão no corpo é habitualmente uma ação. “As paixões da alma são os pensamentos que mais fortemente abalam a alma e podem ser definidas por percepções, ou sentimentos da alma, a qual nos referimos particularmente a elas, são causadas, mantidas e fortalecidas por algum movimento dos espíritos” (DESCARTES, 1649: 147), ou seja, é na alma que são encontradas as mais fortes emoções, onde o indivíduo sente suas paixões mais profundas e os sentimentos mais extraordinários. Descartes irá enumerar seis paixões primitivas, que são: Admiração, amor, ódio, desejo, alegria e tristeza. E todas as outras serão suas espécies. Na obra As Paixões da Alma, a paixão tristeza provém da fraqueza que consiste no incômodo que a alma recebe do mal, por isso quando estamos tristes o corpo fica indisposto, apático e enfraquecido. Para Descartes a definição da tristeza é:
 “(...) um langor desagradável no qual consiste a incomodidade que a alma recebe do mal, ou do defeito que as impressões do cérebro lhe representam como lhe pertencendo. [...] quando sentimo-nos igualmente tristes como quando o corpo está indisposto, embora não saibamos que ele o esteja. Assim, o prazer dos sentidos é seguido de tão perto pela alegria, e a dor pela tristeza, que a maioria dos homens não os distingue de modo algum” (DESCARTES, 1649: 181 182).
Descartes descreve as manifestações corporais da paixão tristeza, dentre elas, o pulso fraco e lento. E além do coração, que o sentimos como laços que o apertam e pedaços de gelo que o gelam friamente, sendo assim a alma só é avisada das reações que acontecem por intermédio da dor. A tristeza é a origem da dor e insatisfação, por não encontrar alternativas para eliminar o mal que o rodeia. A função da dor para Descartes é:
...é impelir a alma a consentir e a contribuir nas ações que podem servir para conservar o corpo ou para torná-lo mais perfeito; (...), pois a alma não é imediatamente avisada das coisas que prejudicam o corpo, a não ser pelo sentimento que possui da dor, o qual produz nela primeiramente a paixão da tristeza (DESCARTES, 1999, p. 185).
Depois de tratarmos o sentimento da tristeza em Descartes, observaremos como Sigmund Freud, apresenta em sua obra “Luto e Melancolia”, o que é o afeto normal do luto e sua natureza com a melancolia.
Na obra Freudiana Luto e Melancolia poderíamos dizer que a “perda” é a palavra chave para compreendermos a natureza do luto. Segundo o autor, o luto é uma reação normal a perda do objeto, sendo que esse objeto pode ser uma pessoa querida, um papel social, a liberdade ou o ideal de alguém e assim por diante. Freud explica que no luto o objeto amado não existe mais, portanto o indivíduo está consciente da perda real do objeto. O luto se inicia a partir de uma tristeza intensa devido à perda do objeto amado. Para o indivíduo enlutado, há uma perda de interesse pelo mundo externo e por qualquer atividade que não esteja relacionada com o objeto de amor. Todavia, após um determinado tempo, o luto será superado. Desta maneira, o luto, diferente da melancolia, não é uma patologia.
 A melancolia é uma patologia que “caracteriza-se psiquicamente por um estado de ânimo profundamente doloroso, por uma suspensão do interesse pelo mundo externo, pela perda da capacidade de amar, pela inibição geral das capacidades de realizar tarefas e pela perturbação de auto- estima esta última característica está ausente no luto. Para Freud, o melancólico:
Demonstra uma ausência de interesse pelo mundo externo, uma desmotivação para realizar as atividades, apresenta um desânimo intenso, perde a capacidade de amar e evidencia, em especial, uma perturbação na auto-estima “a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação” (Freud, 1915, p.276), chegando a uma tentativa delirante de autopunição.
Para o melancólico o objeto talvez não tenha realmente morrido como acontece no luto, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor, portanto o indivíduo perdeu seu amor próprio e deve ter tido boas razões para tanto. Sendo assim, Freud aponta “mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que deu origem à sua melancolia, está apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém” (Freud, p: 251).
Na melancolia, o sujeito diante de uma desilusão e/ou perda reinveste a libido do antigo objeto amado para outro objeto. O sujeito melancólico após o desapontamento e a perda do objeto desejado, redireciona essa libido antes investida no objeto, e agora livre, para o próprio ego, criando uma situação de identificação do ego com o objeto abandonado. Assim, Freud considera: “A analogia com o luto nos levou a concluir que ele sofrera uma perda relativa a um objeto; o que o paciente nos diz aponta para uma perda relativa a seu ego” (Freud, p: 253).  Para o melancólico há um empobrecimento do seu ego em grande escala. No luto é o mundo que se torna pobre e vazio, sem sentido mais; na melancolia, é o próprio ego, o próprio ‘EU’ que se torna vazio e sem sentido diante da vida, ou seja, é o próprio “EU” que se torna insignificante.
Comparando a teoria Cartesiana com a teoria de Freud, poderíamos dizer que esses dois autores têm em comum uma reflexão da tristeza como um estado de dor da alma, ou seja, a tristeza provoca um estado de dor, um enfraquecimento da alma, segundo Descartes.
Para Descartes: “[...] a causa de que a dor produz de ordinário a tristeza é que o sentimento chamado dor provém sempre de alguma coisa tão violenta que ofende os nervos [...]” (Descartes, 1649:183). Freud também vai chamar a disposição para o luto de dolorosa (Freud, 1915: 250).
Para dar início a essa pesquisa, foram usadas como obras teóricas “As Paixões Da Alma” de Descartes e “Luto e Melancolia” de Sigmund Freud na tentativa de explicar como a paixão tristeza se relaciona com depressão pós-parto manifestada no período puerperal. Para ficarem mais claro esses dois estados, a tristeza Cartesiana e a melancolia em Freud, iremos tratar dos transtornos mentais vivenciados pelas mulheres no pós-parto.
Existem três tipos de sintomas emocionais que são diagnosticados no pós-parto: O baby blues ou Tristeza Materna, a psicose puerperal e a depressão pós-parto. 
A Baby Blues, conhecida como tristeza materna, ou, segundo o manual DSM IV por tristeza do pós-parto, afeta setenta (70%) das mulheres nos dez dias após o parto e tem uma duração curta, de semanas. É transitória e não prejudica o funcionamento (DSM IV, 4 Ed).
“O transtorno psicótico no puerpério pode ocorrer no período de quatro semanas após o parto. Episódios comuns nesse período incluem flutuações e instabilidade do humor e preocupação com o bem estar do bebê”, segundo o manual de diagnósticos de saúde mental, “esta instabilidade de humor pode variar com intensidade exagerada a francamente delirante” (DSM IV, 4 Ed). “O infanticídio está associado, com maior freqüência, a episódios psicóticos no pós-parto caracterizados por alucinações de comando para matar o bebê ou delírios de que este está sendo possuído” (DSM IV, 4 Ed). Por isso esse distúrbio necessita de uma maior atenção devido a essa possibilidade de ferir o bebê ou até mesmo de ferir a si próprio.
Segundo o manual DSM IV, “os episódios depressivos maiores no pós-parto com freqüência têm ansiedade grave e ataques de pânico. As atitudes maternas quanto ao bebê são altamente variáveis, mas pode incluir desinteresse, medo de ficar a sós com o bebê e um excesso de intrusão que inibe o descanso adequado da criança” (DSM IV, 4 Ed).
Temos ainda um indicador de episódio depressivo maior com características melancólicas, segundo o DSM IV, as especificações são: perda de prazer por todas ou quase todas as atividades, falta de reatividade a estímulos habitualmente agradáveis, perda ou ganho de peso excessivo, culpa excessiva ou inadequada, acentuado retardo ou agitação psicomotora dentre outros (DSM IV, 4 Ed). Dentre esses sintomas citados pelo DSM IV, temos um que merece ser destacado que é a qualidade distinta de humor depressivo, ou seja, segundo o manual é um humor depressivo vivenciado diferentemente do tipo de sentimento experimentado após a morte de um ente querido (DSM IV, 4. Ed).
A depressão pós-parto pode ocorrer por diversos fatores na vida da puérpera.  No período perinatal a mulher já pode apresentar alguns sintomas, sendo eles: irritabilidade, tristeza, choro, ansiedade, raiva etc. No pós-parto esses fatores podem se agravar devido às alterações hormonais, psíquicas, físicas e de inserção social que podem refletir diretamente na saúde mental (IACONELLI, 2005: 4). Segundo o manual de diagnósticos de transtornos mentais, as mulheres com episódios depressivos maiores no pós-parto apresentam alterações hormonais, entretanto:
Este período é singular com respeito ao grau de alterações neuroendócrinas e ajustamentos psicossociais, ao impacto potencial da amamentação no planejamento do tratamento e às implicações a longo prazo de um histórico de tratamento do humor pós-parto no planejamento familiar subseqüente “(DSM IV, 4 Ed).
Outros fatores de riscos para DPP podem ser: histórico familiar de depressão, bem como episódios anteriores de depressão da puérpera, histórico de transtornos afetivos, que passaram por problemas de infertilidade, sofreram dificuldades na gestação, vítimas de carência social, mulheres que perderam pessoas importantes, como um filho anterior, que vivem em desarmonia conjugal, dentre outros (IACONELLI, 2005: 4) De tal modo, quadros de depressão podem ser disparados por problemas psicossociais como a perda de uma pessoa querida, do emprego ou o final de uma relação amorosa.  
Notadamente a depressão nas últimas décadas apresenta um crescente índice de incidência, tornando-se uma questão da saúde pública. Esta patologia interfere na afetividade, na sociabilidade e na sexualidade do indivíduo e onera a sociedade com o afastamento do profissional de seu trabalho e do atendimento médico-psicológico ao cidadão.
A depressão pós-parto, pode se manifestar com intensidade variável, tornando-se um fator que dificulta o estabelecimento de um vínculo afetivo seguro entre mãe e filho, podendo interferir nas futuras relações interpessoais estabelecidas pela criança.
Sendo assim, diante do quadro apresentado até aqui qual a relação que poderíamos estabelecer entre tristeza, melancolia, luto e depressão pós-parto? Esta relação dar-se-ia pelas semelhanças do quadro geral destas circunstâncias que seria uma dor profunda da alma, ou seja, uma tristeza profunda do “EU”, assim como pelas “situações da vida que as desencadeiam”. Tanto no enlutado como no melancólico há uma perda do objeto, no luto, há uma perda real, e na melancolia essa perda pode ser inconsciente. No melancólico, Freud, ressalta que a perda de um objeto que escapa à consciência é uma característica central do desencadeamento da melancolia, ao passo que, no luto, temos clareza do que fora perdido; (FREUD, 1915).
Todavia, vale lembrar, que segundo Freud, a pessoa que está de luto difere psicologicamente do melancólico (FREUD, 1915), essa característica encontra-se também explícita no manual de diagnósticos de transtornos mentais que diz assim: “(...) A qualidade distinta do humor, característica do especificador com características melancólicas, é vivenciado pelos indivíduos como sendo qualitativamente diferente da tristeza sentida durante o luto (...)” [DSM IV, 4 Ed.].
Portanto, esta pesquisa se encontra ainda em andamento, tem por finalidade objetivar e efetuar análises no âmbito da depressão pós-parto. A mãe na fase do pós-parto, quando acometida por essa doença, muitas vezes é vista como uma mãe que não quer cuidar de seu filho, pois, nesse momento os olhares são voltados para a criança e não para uma pessoa que não se vê ainda como mãe, mas como mulher. Logo, estudos que dê importância necessária, e uma escuta diferenciada às situações vivenciadas pelas gestantes e seus sentimentos neste período da vida é de extrema relevância. Por isso, propomos outras pesquisas com a intenção de buscar como as mulheres passam por essa fase- gestação, parto e pós-parto.
Para concluir, após toda a discussão fica um pouco mais claro que a depressão pós-parto é multideterminada e que o período gravídico-puerperal é uma fase de expressivas transformações que exige uma elaboração e adaptação rápida da mulher para que se viva uma maternidade saudável.
Na revisão bibliográfica descrita nessa pesquisa observa-se como a tristeza está presente nesse período. Mas por outro lado, a experiência da tristeza é constituinte do ser, e não devemos patologizarmos todo e qualquer sentimento da tristeza, visto que, o sentimento da tristeza, assim como, as outras paixões citadas por René Descartes, “são todas boas por natureza e que só devemos evitar o mau uso ou o excesso delas” (DESCARTES, 1649. p. 238).


Referências Bibliográficas
DESCARTES. René. As paixões da Alma. São Paulo. Nova Cultural, 1996 (Coleção Os Pensadores).
DSM-IV- Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Claúdia Dornelles; - 4. Ed. ver. - Porto Alegre: Artmed, 2002.
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. Obras completas. Imago, 2006. Volume XIV. Completas, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.
IACONELLI, Vera. Depressão pós-parto. Artigo publicado na Revista de Pediatria Moderna, Julho-Agosto, v. 41, nº 4, 2005.






"A relação entre natureza e sagrado no pensamento de Mircea Elaide" Edires Nascimento Mattos

O SAGRADO E A NATUREZA EM MIRCEIA ELIADE
Edires Nascimento Mattos

O Sagrado sempre foi tema de muito interesse por parte de alguns filósofos, entre eles Mircea Eliade (1907-1986). Este pensador que e de origem romena nascido em Bucareste e filho de uma família da pequena burguesia. Decidiu ir para Índia em 1928 quando tinha 20 anos e tinha a permissão da família e toda liberdade na dedicação dos seus estudos, indo para Itália, comprar todas as espécies de livros, estudar hebreu e persa. Sentia-se feliz em sua vida estando em paz com a sua condição humana, social e familiar[1].

Mircea Eliade era um apaixonado pelas ciências naturais e publicou um primeiro artigo aos treze anos, gostava muito da zoologia, pela física e pela química mineral antes da química orgânica. No Liceu, tinha começado o que chamaria mais tarde de “a luta contra o sono” para ganhar tempo para os estudos. Ele se interessava não só pelas ciências, mas também por muitas outras coisas e tinha descoberto progressivamente o orientalismo, a alquimia, e a história das religiões.

Eliade foi atraído pelos Upanixades, por Milarepa, ou mesmo por Tagore e Gandhi, ou seja, pelo Oriente antigo, como uma forma de que se assimilasse a mensagem dessas culturas arcaicas, extra-européias, encontraria os meios de exprimir a nossa herança espiritual: Trácio-eslavo-romena, e ao mesmo tempo, proto-histórica e oriental. Tendo a consciência de que estava situado entre o Oriente e o Ocidente. Sabendo, por um lado, a cultura romena constitui uma espécie de “ponte” entre o Ocidente e Bizâncio e, por outro, o mundo eslavo, o mundo oriental e o mundo mediterrâneo.

Eliade era de família de tradição cristã oriental, porém ele mal conhecia a sua própria tradição, e no cristianismo oriental a religião, é sobretudo uma coisa que se aprende por hábito, pouco se ensina e não se faz catecismo. Dizia ele que é sobretudo a liturgia, a vida litúrgica, os ritos, os coros, os sacramentos que contam. Participou mas para ele não era nada essencial, e o seu interesse estava em outro local. Nesse tempo era estudante de filosofia e, ao estudar os filósofos, os grandes filósofos, sentia que lhes faltava qualquer coisa. Sentia que não se pode compreender o destino humano e o modo específico de ser do homem no universo sem se conhecer as fases arcaicas da experiência religiosa. E ao mesmo tempo, tinha o sentimento que era difícil descobrir essas raízes através da sua própria tradição religiosa, quer dizer através da realidade atual de certa igreja, a qual, como todas as outras, estava condicionada por uma longa história e por instituições cujo sentido e formas sucessivas ignoravam. Sentia que seria difícil descobrir o verdadeiro sentido e a mensagem do cristianismo mediante apenas a sua tradição. É por isso que queria ir mais fundo. Primeiro, o Antigo Testamento, depois a Mesopotâmia, o Egito, o mundo mediterrânico e a Índia.

Na Índia teve contato com seu orientador chamado Dasgupta, sendo ele o responsável por indicar as gramáticas, os manuais, os dicionários indispensáveis nos seus estudos na índia. Não rejeitou o ocidente tendo estudado um pouco de grego e um pouco de latim. Em setembro de 1930 vai para o Himalaia e logo após para o Tibete conhecendo Swami Shivanananda, um homem que o interessou devido sua formação ocidental. Não era um erudito, mais tinha uma experiência himalaica bastante grande: conhecia os exercícios da ioga as técnicas da meditação, e era médico, por conseqüência conhecia as técnicas de meditação, de contemplação, que tinha estudado bem sobre o assunto nos livros, mas nunca tinha ensaiado. Sua tese intitulou-se: Ioga, ensaio sobre as origens da mística indiana.


[... com efeito, que a minha finalidade era apenas de tornar inteligíveis ao mundo moderno-ocidental ou oriental, às Índias assim como Tóquio ou a Paris – as criações religiosas ou filosóficas pouco conhecidas ou mal comentadas. Para mim, a compreensão dos valores religiosos tradicionais é o primeiro passo para um despertar espiritual...] Orcquet, CH. Mircea Eliade - A provação do Labirinto Pág. 50. Lisboa: Dom Quixote, 1987.


A SACRALIDADE DA NATUREZA E A RELIGIÃO CÓSMICA[2]


O primeiro fato com que deparamos ao adotar a perspectiva do homem religioso das sociedades arcaicas é que o Mundo existe porque foi criado pelos deuses, e que a própria existência do Mundo “quer dizer” alguma coisa, que o Mundo não é mudo nem opaco, que não é uma coisa inerte, sem objetivo e sem significado. Para o homem religioso, o Cosmos “vive” e “fala”. A própria vida do Cosmos é uma prova de sua santidade, pois ele foi criado pelos deuses e os deuses mostram-se aos homens por meio da vida cósmica.

É por essa razão que, a partir de certo estágio de cultura, o homem se concebe como um microcosmo. Ele faz parte da Criação dos deuses, ou seja, em outras palavras, ele reencontra em si mesmo a santidade que reconhece no Cosmos.

O homem religioso descobre os múltiplos modos do sagrado e, por conseguinte, do Ser.  O Mundo Existe, está ali, e tem uma estrutura: não é um Caos, mas um Cosmos, criação como obra dos deuses.  A terra é “transparente”: mostra-se como mãe e nutridora universal. No conjunto o Cosmos é ao mesmo tempo um organismo real, vivo e sagrado: revela as modalidades do Ser e da sacralidade. Ontofania e hierofania se unem.

O “sobrenatural” está indissoluvelmente ligado ao “natural”; que a Natureza sempre exprime algo que a transcende. Um exemplo que Mircea dá é que uma pedra sagrada é venerada porque é sagrada e não porque é pedra; é a sacralidade manifestada pelo modo de ser da pedra que revela sua verdadeira essência. É por está razão que não se pode falar de “naturismo” ou de “religião natural”, no sentido atribuído a estas palavras no século XIX; pois é a “sobrenatura” que se deixa manifestar ao homem.

O homem descobre ao mesmo tempo a incomensurabilidade divina e sua própria situação no Cosmos. O Céu revela, por seu próprio modo de ser, a transcendência, a força, a eternidade. O Céu existe de maneira absoluta, um grande número de deuses supremos das populações primitivas é chamado por nomes que designam a altura, a abóbada celeste, os fenômenos meteorológicos; ou são chamados muito simplesmente de “Proprietários do Céu”, ou “Habitantes do Céu”.

O Deus celeste não é identificado com o Céu, pois foi o próprio Deus que, criador de todo o Cosmos, criou também o Céu. É por esta razão que é chamado “Criador”, “Todo Poderoso”, “Senhor”, “Chefe”, “Pai” etc. o Deus celeste é uma pessoa e não uma epifania uraniana. Porém abita o Céu e manifesta-se por fenômenos meteorológicos: trovão, raio, tempestade, meteoros etc. Epifanias chamadas tremendum da tempestade.

Dessacralização da natureza

A experiência de uma Natureza radicalmente dessacralizada é uma descoberta recente, acessível apenas a uma minoria das sociedades modernas, sobretudo aos homens de ciência. Para o resto das pessoas, a natureza apresenta ainda um “encanto”, um “mistério”, uma “majestade”, onde se podem decifrar os traços dos antigos valores religiosos. Não há homem moderno, seja qual for o grau de sua irreligiosidade, que não seja sensível aos “encantos” da Natureza.

Outras hierofanias cósmicas

Os grupos de hierofanias cósmicas revelam uma estrutura particular da sacralidade da Natureza; ou, mais exatamente, uma modalidade do sagrado expressa por meio de um modo específico de existência no Cosmos. Basta, por exemplo, analisar os diversos valores religiosos atribuídos às pedras, para que se compreenda o que as pedras, como hierofanias, podem revelar aos homens: o poder, a firmeza, a permanência. A hierofania da pedra é uma ontofania por excelência: antes de tudo, a pedra é, mantém se sempre a mesma, não muda – e impressiona o homem pelo que tem de irredutível e absoluto, desvendando-lhe, por analogia, a irredutibilidade e o absoluto do Ser.


Conclusão

É importante analisar um despertar de uma consciência no qual são verificado o homem e a natureza em uma realidade exterior como algo que existe independente de sua vontade. O primeiro fato com que deparamos ao adotar a perspectiva do homem religioso das sociedades arcaicas é que o Mundo existe porque foi criado pelos deuses, e que a própria existência do Mundo “quer dizer” alguma coisa, que o Mundo não é mudo nem opaco, que não é uma coisa inerte, sem objetivo e sem significado. Para o homem religioso, o Cosmos “vive” e “fala”. A própria vida do Cosmos é uma prova de sua santidade, pois ele foi criado pelos deuses e os deuses mostram-se aos homens por meio da vida cósmica.
  
A existência do homo religiosus, sobretudo do primitivo, é “aberta” para o mundo; vivendo, o homem religioso nunca está sozinho, pois vive nele uma parte do Mundo. Mas não se pode dizer, como Hegel, que o homem primitivo está “enterrado na Natureza”, que ele não se reencontrou ainda como distinto da Natureza, como ele mesmo.

A habitação de um homem moderno perdeu os valores cosmológicos, também seu corpo foi igualmente privado de todo significado religioso ou espiritual. Poder-se-ia dizer, em resumo, que, para os modernos desprovidos de religiosidade, o Cosmos se tornou opaco, inerte, mudo: não transmite nenhuma mensagem, não carrega nenhuma “cifra”. O sentimento da santidade da Natureza sobrevive hoje na Europa, sobretudo entre as populações rurais, pois é aí que ainda se encontra um cristianismo vivido como liturgia cósmica.

A experiência religiosa do homem moderno, já não é “aberta” para o Cosmos; é uma experiência estritamente privada. A salvação é um problema que diz respeito ao homem e seu Deus; no melhor dos casos, o homem reconhece se responsável não somente diante de Deus, mas também diante da História. Mas nestas relações homem Deus História o Cosmos não tem nenhum lugar. O que permite supor que, mesmo para um cristão autêntico, o Mundo já não é sentido como obra de Deus. (Eliade, Mircea, 1992).

Bibliografia

1.       Orcquet, CH. Mircea Eliade - A Provação do Labirinto Pág. 13. Lisboa: Dom 
             Quixote, 1987.
   2.           ELIADE, M. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo, Martins               
                 Fontes, 2001.



[1] Orcquet, CH. Mircea Eliade - A Provação do Labirinto Pág. 13. Lisboa: Dom Quixote, 1987.

[2]  ELIADE, M. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo, Martins    Fontes, 2001.