segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"A relação entre natureza e sagrado no pensamento de Mircea Elaide" Edires Nascimento Mattos

O SAGRADO E A NATUREZA EM MIRCEIA ELIADE
Edires Nascimento Mattos

O Sagrado sempre foi tema de muito interesse por parte de alguns filósofos, entre eles Mircea Eliade (1907-1986). Este pensador que e de origem romena nascido em Bucareste e filho de uma família da pequena burguesia. Decidiu ir para Índia em 1928 quando tinha 20 anos e tinha a permissão da família e toda liberdade na dedicação dos seus estudos, indo para Itália, comprar todas as espécies de livros, estudar hebreu e persa. Sentia-se feliz em sua vida estando em paz com a sua condição humana, social e familiar[1].

Mircea Eliade era um apaixonado pelas ciências naturais e publicou um primeiro artigo aos treze anos, gostava muito da zoologia, pela física e pela química mineral antes da química orgânica. No Liceu, tinha começado o que chamaria mais tarde de “a luta contra o sono” para ganhar tempo para os estudos. Ele se interessava não só pelas ciências, mas também por muitas outras coisas e tinha descoberto progressivamente o orientalismo, a alquimia, e a história das religiões.

Eliade foi atraído pelos Upanixades, por Milarepa, ou mesmo por Tagore e Gandhi, ou seja, pelo Oriente antigo, como uma forma de que se assimilasse a mensagem dessas culturas arcaicas, extra-européias, encontraria os meios de exprimir a nossa herança espiritual: Trácio-eslavo-romena, e ao mesmo tempo, proto-histórica e oriental. Tendo a consciência de que estava situado entre o Oriente e o Ocidente. Sabendo, por um lado, a cultura romena constitui uma espécie de “ponte” entre o Ocidente e Bizâncio e, por outro, o mundo eslavo, o mundo oriental e o mundo mediterrâneo.

Eliade era de família de tradição cristã oriental, porém ele mal conhecia a sua própria tradição, e no cristianismo oriental a religião, é sobretudo uma coisa que se aprende por hábito, pouco se ensina e não se faz catecismo. Dizia ele que é sobretudo a liturgia, a vida litúrgica, os ritos, os coros, os sacramentos que contam. Participou mas para ele não era nada essencial, e o seu interesse estava em outro local. Nesse tempo era estudante de filosofia e, ao estudar os filósofos, os grandes filósofos, sentia que lhes faltava qualquer coisa. Sentia que não se pode compreender o destino humano e o modo específico de ser do homem no universo sem se conhecer as fases arcaicas da experiência religiosa. E ao mesmo tempo, tinha o sentimento que era difícil descobrir essas raízes através da sua própria tradição religiosa, quer dizer através da realidade atual de certa igreja, a qual, como todas as outras, estava condicionada por uma longa história e por instituições cujo sentido e formas sucessivas ignoravam. Sentia que seria difícil descobrir o verdadeiro sentido e a mensagem do cristianismo mediante apenas a sua tradição. É por isso que queria ir mais fundo. Primeiro, o Antigo Testamento, depois a Mesopotâmia, o Egito, o mundo mediterrânico e a Índia.

Na Índia teve contato com seu orientador chamado Dasgupta, sendo ele o responsável por indicar as gramáticas, os manuais, os dicionários indispensáveis nos seus estudos na índia. Não rejeitou o ocidente tendo estudado um pouco de grego e um pouco de latim. Em setembro de 1930 vai para o Himalaia e logo após para o Tibete conhecendo Swami Shivanananda, um homem que o interessou devido sua formação ocidental. Não era um erudito, mais tinha uma experiência himalaica bastante grande: conhecia os exercícios da ioga as técnicas da meditação, e era médico, por conseqüência conhecia as técnicas de meditação, de contemplação, que tinha estudado bem sobre o assunto nos livros, mas nunca tinha ensaiado. Sua tese intitulou-se: Ioga, ensaio sobre as origens da mística indiana.


[... com efeito, que a minha finalidade era apenas de tornar inteligíveis ao mundo moderno-ocidental ou oriental, às Índias assim como Tóquio ou a Paris – as criações religiosas ou filosóficas pouco conhecidas ou mal comentadas. Para mim, a compreensão dos valores religiosos tradicionais é o primeiro passo para um despertar espiritual...] Orcquet, CH. Mircea Eliade - A provação do Labirinto Pág. 50. Lisboa: Dom Quixote, 1987.


A SACRALIDADE DA NATUREZA E A RELIGIÃO CÓSMICA[2]


O primeiro fato com que deparamos ao adotar a perspectiva do homem religioso das sociedades arcaicas é que o Mundo existe porque foi criado pelos deuses, e que a própria existência do Mundo “quer dizer” alguma coisa, que o Mundo não é mudo nem opaco, que não é uma coisa inerte, sem objetivo e sem significado. Para o homem religioso, o Cosmos “vive” e “fala”. A própria vida do Cosmos é uma prova de sua santidade, pois ele foi criado pelos deuses e os deuses mostram-se aos homens por meio da vida cósmica.

É por essa razão que, a partir de certo estágio de cultura, o homem se concebe como um microcosmo. Ele faz parte da Criação dos deuses, ou seja, em outras palavras, ele reencontra em si mesmo a santidade que reconhece no Cosmos.

O homem religioso descobre os múltiplos modos do sagrado e, por conseguinte, do Ser.  O Mundo Existe, está ali, e tem uma estrutura: não é um Caos, mas um Cosmos, criação como obra dos deuses.  A terra é “transparente”: mostra-se como mãe e nutridora universal. No conjunto o Cosmos é ao mesmo tempo um organismo real, vivo e sagrado: revela as modalidades do Ser e da sacralidade. Ontofania e hierofania se unem.

O “sobrenatural” está indissoluvelmente ligado ao “natural”; que a Natureza sempre exprime algo que a transcende. Um exemplo que Mircea dá é que uma pedra sagrada é venerada porque é sagrada e não porque é pedra; é a sacralidade manifestada pelo modo de ser da pedra que revela sua verdadeira essência. É por está razão que não se pode falar de “naturismo” ou de “religião natural”, no sentido atribuído a estas palavras no século XIX; pois é a “sobrenatura” que se deixa manifestar ao homem.

O homem descobre ao mesmo tempo a incomensurabilidade divina e sua própria situação no Cosmos. O Céu revela, por seu próprio modo de ser, a transcendência, a força, a eternidade. O Céu existe de maneira absoluta, um grande número de deuses supremos das populações primitivas é chamado por nomes que designam a altura, a abóbada celeste, os fenômenos meteorológicos; ou são chamados muito simplesmente de “Proprietários do Céu”, ou “Habitantes do Céu”.

O Deus celeste não é identificado com o Céu, pois foi o próprio Deus que, criador de todo o Cosmos, criou também o Céu. É por esta razão que é chamado “Criador”, “Todo Poderoso”, “Senhor”, “Chefe”, “Pai” etc. o Deus celeste é uma pessoa e não uma epifania uraniana. Porém abita o Céu e manifesta-se por fenômenos meteorológicos: trovão, raio, tempestade, meteoros etc. Epifanias chamadas tremendum da tempestade.

Dessacralização da natureza

A experiência de uma Natureza radicalmente dessacralizada é uma descoberta recente, acessível apenas a uma minoria das sociedades modernas, sobretudo aos homens de ciência. Para o resto das pessoas, a natureza apresenta ainda um “encanto”, um “mistério”, uma “majestade”, onde se podem decifrar os traços dos antigos valores religiosos. Não há homem moderno, seja qual for o grau de sua irreligiosidade, que não seja sensível aos “encantos” da Natureza.

Outras hierofanias cósmicas

Os grupos de hierofanias cósmicas revelam uma estrutura particular da sacralidade da Natureza; ou, mais exatamente, uma modalidade do sagrado expressa por meio de um modo específico de existência no Cosmos. Basta, por exemplo, analisar os diversos valores religiosos atribuídos às pedras, para que se compreenda o que as pedras, como hierofanias, podem revelar aos homens: o poder, a firmeza, a permanência. A hierofania da pedra é uma ontofania por excelência: antes de tudo, a pedra é, mantém se sempre a mesma, não muda – e impressiona o homem pelo que tem de irredutível e absoluto, desvendando-lhe, por analogia, a irredutibilidade e o absoluto do Ser.


Conclusão

É importante analisar um despertar de uma consciência no qual são verificado o homem e a natureza em uma realidade exterior como algo que existe independente de sua vontade. O primeiro fato com que deparamos ao adotar a perspectiva do homem religioso das sociedades arcaicas é que o Mundo existe porque foi criado pelos deuses, e que a própria existência do Mundo “quer dizer” alguma coisa, que o Mundo não é mudo nem opaco, que não é uma coisa inerte, sem objetivo e sem significado. Para o homem religioso, o Cosmos “vive” e “fala”. A própria vida do Cosmos é uma prova de sua santidade, pois ele foi criado pelos deuses e os deuses mostram-se aos homens por meio da vida cósmica.
  
A existência do homo religiosus, sobretudo do primitivo, é “aberta” para o mundo; vivendo, o homem religioso nunca está sozinho, pois vive nele uma parte do Mundo. Mas não se pode dizer, como Hegel, que o homem primitivo está “enterrado na Natureza”, que ele não se reencontrou ainda como distinto da Natureza, como ele mesmo.

A habitação de um homem moderno perdeu os valores cosmológicos, também seu corpo foi igualmente privado de todo significado religioso ou espiritual. Poder-se-ia dizer, em resumo, que, para os modernos desprovidos de religiosidade, o Cosmos se tornou opaco, inerte, mudo: não transmite nenhuma mensagem, não carrega nenhuma “cifra”. O sentimento da santidade da Natureza sobrevive hoje na Europa, sobretudo entre as populações rurais, pois é aí que ainda se encontra um cristianismo vivido como liturgia cósmica.

A experiência religiosa do homem moderno, já não é “aberta” para o Cosmos; é uma experiência estritamente privada. A salvação é um problema que diz respeito ao homem e seu Deus; no melhor dos casos, o homem reconhece se responsável não somente diante de Deus, mas também diante da História. Mas nestas relações homem Deus História o Cosmos não tem nenhum lugar. O que permite supor que, mesmo para um cristão autêntico, o Mundo já não é sentido como obra de Deus. (Eliade, Mircea, 1992).

Bibliografia

1.       Orcquet, CH. Mircea Eliade - A Provação do Labirinto Pág. 13. Lisboa: Dom 
             Quixote, 1987.
   2.           ELIADE, M. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo, Martins               
                 Fontes, 2001.



[1] Orcquet, CH. Mircea Eliade - A Provação do Labirinto Pág. 13. Lisboa: Dom Quixote, 1987.

[2]  ELIADE, M. O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo, Martins    Fontes, 2001.



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