terça-feira, 26 de outubro de 2010

"O CIDADÃO DENTRO DE UMA PERSPECTIVA FILOSÓFICA DO FILÓSOFO THOMAS HOBBES ATÉ A NOSSA ATUALIDADE" Carlos Miranda de Souza


O CIDADÃO DENTRO DE UMA PERSPECTIVA FILOSÓFICA DO FILÓSOFO THOMAS HOBBES ATÉ A NOSSA ATUALIDADE

Carlos Miranda de Souza



INTRODUÃO

Em seus escritos e pensamentos Thomas Hobbes procura si distanciar do pensamento de Descarte e procurou postular uma nova teoria de que o nosso universo é mecânico e materialista, mecânico aqui no sentido de natural do próprio homem. Tal esforço de Thomas Hobbes de projetor o homem dentro de uma lógica empirista e racionalista dentem deixar o homem em uma condição menos nobre, quando olhamos para a historia onde o homem sempre era visto com ser elevado e venerado.

A linguagem utilizada por Thomas Hobbes para escrever o LEVIATÃ em muito si assemelha com a linguagem bíblica uma vez que em uma passagem bíblica o profeta Jonas fora engolido por um grande animal marinho que em algumas traduções da bíblia chama este animal de grande peixe, assim é o Leviatã que si utiliza de sua força e desenvoltura e poder para dominar toda sociedade.

Então o Leviatã da obra de Hobbes é uma sociedade sem ordem, pois Hobbes considerava que , sem ordem  a sociedade se auto si destruiria violentamente , assim a ordem seria encarada como essencial, uma vez que a ordem que tendia decididamente para o fascismo sob um governo severo e cruel, pois neste período da historia aqueles que detinham o poder era os monarcas, reis, rainhas e soberanos de diversos tipos que viviam do trabalho dos súditos e chamavam isso de direito “divino”.

Dentro desta visão quase que cosmopolita de uma sociedade que necessita de uma regulamentação, porem que não fosse divina, mas que fosse por meio da razão, dando poder por demais aos tiranos e fascistas da época, nessa linha de pensamento Thomas Hobbes não foi um filosofo que agradou boa parte de seu publico pilo contrario aqueles que defendiam uma liberdade de pensamento e expressão esses foram os principais críticos da época.

Assim o poder defendido pelos tiranos lhes era considerado por meio de assembléias gerais que em muitos das vezes esse coletivo não expressava uma razão consciente e sim uma razão inconsciente capaz de aceitar que o poder dado aos tiranos não era divino, mas um poder dado por meio da força, daí a razão de si estabelecer o contrato social por meio da submissão, o mais forte manda no mais fraco.

Hobbes [procurou defender que os procedimentos da humanidade estavam bem arraigados no egoísmo, forte particular de] o ser humano, então a vida estava baseada dentro desta lógica para bem da sobrevivência das atitudes egoísta afim de que as realizações humanas estavam baseadas no fracasso alheio. O estado de animo de ajuda o próximo era identificado por Hobbes por altruísmo ou filosofia baseada na caridade esta filosofia foi denunciada por Hobbes que num passava de uma hipocrisia devido o alto índice de individualismo baseado no egoísmo.

QUEM É CIDADÃO?

Para podermos começar a responder a esta pergunta será necessário retornarmos há um tempo bem remoto em comparação ao nosso tempo uma vez que este tema já era discutido bem ante do nascimento de Cristo portanto a mais de 2000 anos, já dizia o filosofo Aristóteles pois é necessário para ser cidadão ser homem e ter qualidades que variava conforme as expectativas e exigências da constituição aceita pelo povo de determinada cidade, em geral Aristóteles concorda com o bom governante pois este  deveria ter virtude de prudência pratica, pela qual será capaz de agir visando o bem comum. Contudo também não há unanimidade em torno do conceito de cidadão, pelo que se torna necessária uma definição de constituição, uma vez que existem diferentes tipos de constituições, a definição mais comum é que cidadão é um membro de um estado, Aristóteles reconhece que esta definição é mais adequada aos regimes democráticos do que aos restantes, pois é próprio das oligarquias que apenas os cidadãos mais ricos possam ser eleitos para as magistraturas. Os cidadãos eram umas pequenas minorias em uma sociedade ateniense. Será si podemos acusar Aristóteles de xenofobia? Mas temos de começar a compreender que a recusa da cidadania aos metecos se justificava, tendo em conta a definição e a natureza do estado e da cidadania. Aristóteles não parece muito à vontade a escrever sobre esta questão, temos que lembrar que Aristóteles era estrangeiro, ou seja, macedônio (nasceu em estagira, uma cidade sob domínio do rei da Macedônia ), tendo vivido a maior parte da sua vida como estrangeiro residente, não podendo, por isso, votar nem ser eleito para qualquer cargo legislativo ou executivo. Terá sido essa a razão da sua fuga apressada de Atenas, quando o partido macedônio começou a ser perseguido na cidade, em conseqüência da morte de Alexandre magno, em 323. Resumidamente Aristóteles discute se os cidadãos podem deixar de ser um resultado de uma mudança constitucional, por exemplo, a passagem de um regime democrático para um governo onde predomine a tirania ou mesmo a oligarquia. Aristóteles responde que tal é possível aja visto porque o critério de cidadania é poder participar na vida política da cidade e ser eleito para as magistraturas. Por exemplo, quando um regime oligárquico é substituído por um regime democrático assiste-se aqui um alargamento da base dos cidadãos que podem participar do processo democrático, uma vez que a posse da propriedade deixa de ser critério na atribuição da cidadania.

DIREITOS: constitucionais de um cidadão.

Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil, essa regra, praticamente absoluta no mundo atual, nem sempre predominou na historia. Em tempos passados, nos paises onde existia a escravidão humana, não se reconhecia personalidade jurídica ao escravo. Esse era considerado objeto e não sujeito do direito. Mas hoje, tamanha discriminação entre os homens tornou-se mundialmente repelida pela consciência jurídica dos povos. É por isso que a declaração universal dos direitos do homem, aprovada pela assembléia geral das nações unidas, “ todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade “ “ ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e trafico de escravos serão proibidos em todas as formas “ “todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares reconhecido como pessoa humana perante a lei”

Para podermos pensar em direitos constitucionais dos seres humanos primeiro temos que definir o que chamamos de pessoa, então pessoa física são os seres humanos individualmente considerados, a pessoa física também recebe o nome de pessoa natural como, por exemplo, de pessoa  física podemos citar eu, o professor e outros e todos os seres humanos que podem ser titulares de direitos e sofrer a imposição de deveres. Apesar de todos os homens igualmente dotados de personalidades, nem todos possuem a mesma capacidade jurídica para exercer seus direitos. A capacidade para o exercício pessoal de direitos depende de fatores como a idade e o estado de saúde que condicionam, no ser humano, o grau de consciência e a formação da vontade.




CONCLUSÃO

As importâncias dos direitos fundamentais, bem como o nascimento da idéia da cidadania não se posicionam somente numa visão para o estado constitucional contemporâneo, já que do mesmo modo se afiguram relevantes da perspectiva do enriquecimento que proporcionaram á evolução da sociedade e do Estado. Já si viu que os direitos fundamentais pertencentes ao cidadão variam de lugar para lugar e de tempos em tempos tem si pensado em como lidar com esta perspectiva de como lidar com os direitos relativos aos seres humanos, não foi diferente lá nos tempos de Aristóteles e não é diferente no nosso dia. Atual onde a cada dia novo representantes do povo tem si debruçado sobre o assunto a fim de desenvolver novas idéias de relacionamento humano

Para Thomas Hobbes o individuo deveria romper com o processo em curso de uma democracia para a sim desenvolver um lugar onde o caos pudesse ser estabelecido e atravez deste caos nasça um líder capaz de colocar a ordem necessária para o convívio humano dentro de uma lógica de coerção onde o individuo venha a sofrer algum tipo de punição devido ao seu ato cometido a outro ser humano. No Brasil apesar da nossa constituição declarar que todos os cidadãos são iguais perante a lei na pratica o que si vê não é bem assim, pois nem todos têm direito a saúde, educação de qualidade, moradia, e principalmente segurança e sem contar com o assunto de que o Brasileiro é livre para ir e vir que também na pratica isto não acontece porem as faltas relacionadas a nossa legislação não pode servir de base para exercermos o direito de romper com o sistema atual, o bom seria que aos poucos a população passa-se a si interessar por assuntos do dia a dia como a falta de educação qualidade, saúde, e segurança, coisa que só é possível por meio de bons debates políticos. No geral do final do século passado e já neste inicio deste século já podemos observar uma nova onda de choque de animo a respeito da nova safra de alunos já si interessando por assuntos que em tese diz respeito a adultos agora cabe esperar para ver ate onde este processo educacional vai dar. No Brasil tem um lugar onde a pratica das teorias de Thomas Hobbes vem a algum tempo tentando ser implantadas que é o caso do Estado do Rio de Janeiro onde os “milicianos” estabelecer o caos entre os moradores para que estes reconheçam que o Estado maior não é capaz de suprir a suas necessidades básicas daí eles surgem como aqueles que podem acabar com o caos que eles mesmos promoveram, o importante é saber que este tipo de problema já esta sendo estudado pelo poder maior e legitimo do estado para por fim a estas teorias do medo.



BIBLIOGRAFIAS

1.                    Aristóteles (1981). Politics. ( introdução, tradução e notas de T.A. sinclair). Londres: penguin classics, III, 1274b32.
2.                    ABRÃO, Nelson. Curso de direito familiar. São Paulo Saraiva, 1980.
3.                    Sielo Brasil, estudos avançados. Av.,vol. 3 no São Paulo maio/agosto 1989
4.                    Hobbes, Thomas, 1588-1679, Leviatã ou, matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil/ Thomas Hobbes.





"DIONISO – MITO E CULTO NO MUNDO GREGO" Antônio Maia

DIONISO –  MITO E CULTO NO MUNDO GREGO

Antônio Maia


1)   Filosofia da Religião

A religião e as manifestações religiosas são estudadas pela história, pela filosofia, pela psicologia, pela fenomenologia, pela psicanálise e pela Sociologia. Todas essas ciências estudam metodicamente a consciência religiosa concreta e suas múltiplas objetivações na história. A filosofia da religião tenta esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na existência humana. Isso é, estuda a consciência do homem  e sua auto compreensão a partir do absoluto enquanto atingível pela inteligência. A filosofia da religião é uma reflexão realizada com a única ajuda da razão, sendo seu objetivo a religião e as condições em que elas são possíveis.

A filosofia da religião tematiza a abertura do homem para o mistério que o envolve de maneira positiva, aceitando-o ou de maneira negativa rejeitando-a, estuda, assim, a relação do homem com o santo no horizonte da auto compreensão humana.

“Segundo Rudolf Otto (1869-1927), o sentimento único vivido na experiência religiosa, a experiência do sagrado, em que se confundem a fascinação, o terror e o aniquilamento.”


2)   Introdução

A questão do êxtase, rito, dança, me encontrou desde muito cedo, em minhas pesquisas extras disciplinares entre a história da filosofia da religião e seus cultos. Povos antigos que religam o mundo dos mortos como o nosso mundo é central para isso. Entre eles: os Trácios, Helenos, Romanos, Modernos, Contemporâneos, sempre através de seus filósofos, homens divinos que exerceram influencia na formação do mundo e da alma humana.

Neste trabalho, a pretendemos mostrar de uma forma sucinta, como a dança, o êxtase, o rito e outras experiências espirituais  sempre estiveram presente nos povos espalhados sobre a face da terra, da época mais remota a contemporaneidade.Pretende explorar o mais decisivo e profundo de todos os dramas religiosos, a tomada do homem pela divindade .

Tais encontros extáticos não são de forma alguma uniformemente em todas as religiões, mas a semelhança sempre existiu. È difícil encontrar uma religião que não tenha, em algum estágio de sua história, exemplos de transportes de exaltação mística nos quais todo ser do homem parece se fundir em gloriosa comunhão com a divindade.

Experiências transcendentais deste tipo, tipicamente concebidas como estados de “possessão” têm dados aos povos a reivindicação única de conhecimento experimental direto do divino, e autoridade para agir como privilegiado canal de comunicação entre o homem e o sobrenatural.
 Os fenômenos acessórios aliados a esta experiência, particularmente: dom de línguas, profecia, clarividência, comunicação com os mortos, curas, milagres e outros dotes místicos têm, naturalmente, atraído atenção dos devotos e céticos. Para muitos, de fato, esses fenômenos parecem fornecer provas persuasivas da experiência de um mundo transcendente ao da experiência cotidiana comum.

Teremos como ponto de partida Tragédia Grega As Bacantes de Eurípides onde Dioníso é considerado pela historiografia como um dos deuses mais controversos do mundo antigo. Permeando todo o imaginário religioso e social, obteve seu apogeu no século V a.C., com a dramatização de seu culto nas apresentações teatrais. Eurípedes foi um dos grandes dramaturgos que colocou o culto a Dioniso em suas peças. A tragédia, As Bacantes, elucida toda a complexidade deste deus e seu caráter contraditório e ambíguo. O que se pretende com este trabalho é uma breve reflexão sobre algumas facetas de Dioniso, suas festas e a herança que este Deus deixou até nossos dias, a contemporaneidade. Pretendemos também mostra que a herança dessa manifestação religiosa pode ter vindo de épocas bem mais arcaica, e chegado a nossos dias com pequenas alterações mas com a mesma essência.

3)   Dioniso e sua provável origem. Dados Cronológicos
Em 408 a.C. Eurípedes Deixou Atenas, em direção a Macedônia, cujo rei Arquelau, o convidara para a sua corte. Deixando par atrás uma longa carreira dramática, iniciada em 455 a.C., e premiada pela primeira vez , em 441 a.C. A . Mas premiação máxima nunca tinha sido outogarda, mas, pelo ano 406 a.C. ano da sua morte, seu filho levou á cena, nas Dionísias Urbanas, a trilogia formada por: Ifigénia em Áulide, Alcméon e As Bacantes, essa obra ganhou postumamente o primeiro premio ( As bacante- Intrudução, tradução do grego e notas de : Maria helena da Rocha Pereira- Universidade de Coimbra- Edições 70 ).
Descobertas mais recentes mostram que o culto a Dioníso e mais antigo que as tragédias Gregas. Provas recente nos mostram que o Deus era venerado em tempos micénicos, uma vez que o seu nome figura, pelo menos, em duas tabuas de Pilos ( Pilos ou Pilo (em grego Πύλος, Pylos). “Foi uma importante cidade durante o período micénico, e subsequentemente, na Grécia Clássica, onde foi uma aliada de Esparta  na Guerra do Pelopeneso”. E também escavações da ilha de Ceos comprovam a prática de seu culto, naquele local, sem descontinuidade, desde  o Século XV  a.C..
Segundo o mito; Dioniso é filho de Zeus e de uma princesa, Sêmele, filha de Cadmo, rei de  Tebas. Tomada de ciúme, Hera prepara-lhe- uma armadilha  e Sêmele roga a Zeus que se mostre a ela em sua verdadeira forma de deus celeste. A imprudente é fulminada por um raio, dando luz antes do termino . Zeus, entretanto, cose a criança em sua coxa e, passados alguns meses, Dioniso vem ao mundo . Ele é, na verdade, “ duas vezes nascido”. Numerosos mitos de origem apontam os fundadores das famílias reais como oriundos da união entre deuses e mulheres mortais. Mas Dioniso em seu segundo nascimento, proveio de Zeus.
    
4)   O Dioniso dos Atenienses e Seus adoradores
A loucura Dionisíaca
 Era um deus que caminhava no meio dos homens, dividindo-os entre os que rejeitavam seu caráter sobrenatural e aqueles que se a ele se convertiam imediatamente. Dioniso separava os homens das mulheres - sua divindade se fazia entender pela música; e muitas vezes apenas os seres marginais da sociedade grega, estrangeiros, escravos e mulheres eram capazes de entendê-la. Fato compreensível – como hoje, para muitas pessoas do mundo antigo a música constituiu a única coisa capaz de tornar o cotidiano suportável.  
 Decerto, havia no Olimpo outras formas de conceber a loucura – o deus Ares, por exemplo, exprimia a demência da brutalidade e da estupidez da guerra, a insânia que se apossa do guerreiro induzindo-o ao massacre e à crueldade. Afrodite, ao lado daquilo que há de luminoso no amor, manifestava também um lado obscuro: o ódio provocado pelo amor não correspondido, o ciúmes assassino, o desatino da paixão cega.  
Em contrapartida, no delírio religioso dionisíaco, a loucura assumia outra forma.  Ao contrário dos outros deuses, aos quais os gregos prestavam piedade ritual, fazendo libações e sacrifícios, indo em procissões até seus templos, em dias regulares do ano, Dionísio cavalgava seus fiéis, habitava a pessoa, levava ao transe, à dança e à alegria.  Era um deus errante, irrequieto, vagabundo, que chegava sem avisar, que não tinha destino certo e nem hora de partir. Num certo sentido, representava um pharmakós – ao mesmo tempo representava a loucura e ensinava a curá-la. Tanto era capaz de enlouquecer inimigos, como indicava aos seus seguidores a forma de saná-la - aceitando-a, transformando a loucura num grau mais elevado de lucidez, através da arte.   
 Mas Dioniso é um deus que, simultaneamente, cura a loucura do mundo mediante seu lado civilizador, pois é o deus que patrocina o banquete e preside o teatro. É ele quem arrebata os homens da vida cotidiana, que conduz à festa, que lhes ensina a ir além do tédio e do bom senso. No banquete, produz o kômos, porque é o deus do vinho. O kômos, o cortejo de mascarados que se segue ao banquete, é também um estado da alma proporcionado pelo vinho; não exatamente a embriaguez, mas um estado de espírito, um tanto exaltado, que facilita o convívio, desata a palavra, anima a conversa e reúne os homens. Esse estado de espírito é que permite ver o que permanece ao lado, fazendo com que o real ganhe um aspecto do não familiar, que se aperceba do inusitado, daquilo que é entrevisto, daquilo que permanece à margem de nossa percepção cotidiana.  

Dioniso e a Música
É a música que anuncia a presença de Dioniso.  O caráter enigmático da música desafia a filosofia até hoje – é algo que resiste à apreensão do discurso, porque ela constitui uma proto-linguagem, compreensível para os homens a despeito das diferenças de língua, capaz de transpor barreiras de tempo e de história.  É também uma espécie de arrebatamento – do ponto em que se está, a magia da música transporta a um outro lugar, modifica o espaço entre as pessoas e torna perceptível o fato da subjetividade humana ser tecida de tempo. Seu poder de suspender o sofrimento e de desafiar a morte constituía o coração do mito de Orfeu, o mesmo Orfeu que, sendo sacerdote de Apolo, teve uma morte dionisíaca. A música é algo que ressoa no vazio interno de cada um e, muito mais do que conforto, clama por um movimento do sujeito que escuta – a dança é só seu sinal mais imediato.   

O Canto e a Dança   
 Canto, dança,  ação e literatura, cenografia e arquitetura, a arte total – como hoje podemos conceber um mundo em que o teatro não existia, para compreender a dimensão do que foi inventado? Ao mesmo tempo, o teatro grego não é o mesmo teatro que hoje se conhece. Não havia surpresas no enredo trágico, os gregos sabiam de cor o que se passava em cena. Não havia a idéia de que o indivíduo dominava o destino, nem de merecimento da sorte. O poeta trágico colocava em cena crises de personagens conhecidos em situações já sabidas, mas ao colocá-las em presença e no presente, era capaz de extrair aspectos desconhecidos daquilo que todos julgavam saber. 
Ritos e Festas.  
Os ritos de Dioniso são definidos como fenômenos religiosos que instituem um espaço cultural de liminaridade, de transgressão e de inversão das leis habituais.Os ritos de liminaridade (“significa o afastamento do indivíduo ou de um grupo, quer de um ponto fixo anterior na estrutura social, quer de um conjunto de condições culturais(…).”  funcionam como um auto-retrato invertido da comunidade para a sua renovação periódica. O homem, nos ritos dionisíacos, se comporta de forma caótica, com a transposição de todos os limites. É uma experiência de regressão ao caos, de retorno às origens; é uma morte simbólica da sociedade, para depois haver o retorno ao normal após três ou quatro dias de orgias, bebedeiras, festas, etc.
Dioniso é o deus do elemento líquido (não-sólido, não-firme), do vinho, do mar, da embriaguês e da dissolução do homem. Ele é o deus da euforia, da histeria, da mania e do êxtase. Ele freqüentemente aparece rodeado por sátiros, ou acompanhado por um cortejo de feras.
Na época de seu advento (festa das Anthestérias, festa da primavera, dos mortos e de Dioniso), Dioniso chega às cidades pelas montanhas ou pelo ou pelo mar, numa barca. O deus nunca chega pelas vias normais. Pelas ruas da cidade vai rolando a barca de Dioniso sobre quatro rodas. O mar invade a cidade: o elemento líquido dissolve a terra.
Dioniso é o deus de elementos perigosos, reprimidos e proibidos, mas que têm de ser soltos na terra alguns dias por ano. Como ele é um deus de inversões, ele é um deus muito cultuado por mulheres; elas rompem com seu papel socialmente definido para se tornarem bacantes, e se tornam felicitas.
Anthestérias/Dionísias urbanas: festas populares da primavera, em que domina um ambiente de liminaridade: os mortos invadem a cidade, a água invade a terra, a primavera invade o inverno, a natureza invade a cidade.
Dioniso é deus de tudo o que está enterrado, trancado, e precisa vir à tona sob a forma de ma irrupção violenta: o sangue que jorra da ferida, os mortos que irrompem do subterrâneo, as paixões que se libertam na alma humana, as feras aprisionadas, tudo o que "salta para fora" da norma, como a brotação que, no inverno, rompe a neve e traz a primavera.
O circuito ritual dionisíaco é: ékstasis (sair de si, 'fora do estabelecido') -> enthousiasmós ('alegria de ter o deus dentro') -> hypochrités ('aquele que se oculta por baixo' da máscara, ou por trás de outra pessoa — é a palavra usada para designar ator) -> metamórphosis -> kátharsis (alívio final).
Ditirambo (dithýrambos) canto coral de caráter dramático e eufórico com muitas pessoas, acompanhado de dança com muitas mímicas e gestos.

Dioniso e sua Relação com a Vida
O filosofo e hitoriador Mircea Eliada, nos dá uma boa explicação de como Dioniso representava a vida em sua plenitude, isso é, em sua totalidade. Ele Diz:
....Dioniso está relacionado com a totalidade da vida, como demonstram suas relações com a água, os germes, o sangue ou o esperma, e os excessos de vitalidade ilustrados por suas epifanias animais ( touro, leão, bode). Suas nanifestações e desaparecimentos inesperados refletem de certa forma o aparecimento e a ocultação da vida, isso é, a alternância da vida e da morte, e por fim sua unidade. Mas não se trata em absoluto de uma observação “objetiva” desse fenômeno cósmico, cuja trivialidade não podia suscitar qualquer idéia religiosa, nem produzir mito algum. Por meio de suas epifanias e ocultações, Dioniso revela o mistério – e a sacralidade- da conjugação entre a vida e a morte. Revelação de natureza religiosa, portanto é efetuada pela própria presença do Deus. Pois esse aparecimentos e desaparecimentos nem sempre são relacionados ás estações – Dioniso mostra-se durante o inverno e desaparece no mesmo festival de primavera onde realiza sua mais triunfal epifania.( Historia das Crenças e das Ideias Religiosas I – Ed Zahar – Ed 2010 pag. 340)

As Bacantes ou Mênades

 As bacantes eram sempre mulheres. Os homens gregos da época, que buscavam saber o que as mulheres faziam nos cultos dionisíacos no meio das florestas, conforme se lê em As Bacantes, de Eurípides, supunham que elas iam se entregar a “bacanais”, a rituais ligados à sexualidade. Contudo, essa era a interpretação masculina. Isto é, os homens gregos não podiam conceber que as mulheres pudessem ter acesso à transcendência e ao contato direto com o divino; o êxtase feminino era reduzido ao orgasmo. Significativamente, para os gregos, seguir Dioniso era ser tomado pelo entusiasmo, isto é, ser habitado pelo deus, ter o “deus dentro de si”. E, para os gregos, que cultuavam valores apolíneos da justa medida, do equilíbrio, do conhecimento de si e do autodomínio, esse tipo de entusiasmo era considerado uma espécie de loucura.  
As bacantes, no seu êxtase, vivem num mundo feito de felicidade, de bem-aventurança, onde os animais selvagens se reconciliam com os homens; onde o leite, o vinho e o mel jorram da terra, mundo que oscila entre imaginação e realidade.  A palavra “mênades”, nome dado às sacerdotisas de Dioniso, remete à palavra “mania” - possuídas pelo deus, o seu delírio, no mais das vezes pacífico, podia, no entanto, se tornar sanguinário. Dioniso é também um deus selvagem e vingativo, as bacantes trucidam seus inimigos, despedaçando-os.  
5)   Eurípedes e a celebração do mistério dionisíaco
Milagres específicos eram características ao culto frenético e extático de Dionísio que acompanham suas epifanias: a água que jorra da rocha, os rios que se enchem de leite e de mel. Em Teos , uma fonte de vinho esguicha aos jatos nos dias de seu festival  ( Diodoro da Sicília, III, 66,2.) Na elida, três jarros vazios, deixados durante a noite num quarto lacrado, aparecem no dia seguinte cheios de vinho ( Pausânias, VI, 2, 6, 1-2).  Pagina 343 Mircea Eliade mostra que o mais  famoso deste milagres era o: “ videiras de um dia” que floresciam e produziam uvas em algumas horas; o “milagre” ocorria em diversas partes, a julgar pelos numerosos autores que dele falam”
Estes milagres refletem o elemento mais original do Deus Dioníso. Temos em As Bacantes de Eurípedes um testemunho de grande valor no antigo teatro grego. O próprio Dioniso é o protagonista de As Bacantes. Sentido ultrajado por seu culto ser ainda ignorado na Grécia.
“ O êxtase dionisíaco não é obra de um individuo isolado, mas um fenômeno de massas, que arrebata as pessoas à sua volta de forma quase contagiante. Isso exprime miticamente, dizendo que o deus está sempre rodeado de um exame enfurecido de devotos e devotas”  ( Mito e Tragédia na Grécia Antiga –Jan-pierre Vernant – Perspectiva 1ª edição )
Este tipo de fenômeno, estas manifestações coletivas de delírio, que não admitem a passividade de quem os contempla, irrompe com freqüência em diversas épocas, povos, e lugares, com motivações distintas, e não é alheio ao nosso tempo. 
Estas manifestações e loucuras que acontecia nos cultos dionisíacos, não têm nada a ver com demência físicas e loucuras causadas por enfermidades. Estes transe extático era tratado como manifestação de Deus nas populações de cada religião. Assim nos mostra Erwin Rohde – Em seu clássico livro Psique – La Idea Del ama y La inmortalidad entre os griegos pg 144.
Esta loucura,  que no nace de ninguna efermedad humana, sino de una trasposición divina, que hace salir al hombre de su estado habitual”, alcanzó profundas manifestaciones em la mántica y e em La teléstica. Y sus efectos son tan frecuentes y ta reconocidos, que la realidad y la acción de este tipo de locura religiosa que nada tiene que ver com La demencia física son consideradas como um hecho de la experiencia, no ya solamente por los filósofos, sino incluso por los médicos.
Como se sabe, estados de transe podem ser imediatamente induzidos na maioria das pessoas normais por uma serie de estímulos aplicados separadamente ou combinado. Técnicas consagradas pelo uso incluem a ingestão de bebidas alcoólicas, sugestão hipnóticas, rápido aumento do ritmo respiratório, inalação de fumaças e vapores, musica e dança; e a ingestão de drogas como a mescalina ou ácido lisérgico e outros alcalóides psicotrópicos. Mesmo sem contar com esses recursos, o mesmo tipo de efeito pode ser produzido, se bem que mais lentamente, devido á Natureza dos meios empregados, através de mortificações e privações, que auto, quer externamente impostas, tais como jejum e a contemplação ascética.
Temos que fazer algumas considerações sobre o uso do vinho como forma de levar o ser humano ao êxtase. Pelo o que se sabe o vinho era o liquido essencial nas festas religiosas na Grécia antiga, principalmente nas festas do vinho novo que se realizava nas montanhas uma vez por ano. Mas nas outras festas realizadas em Atenas que se tem prova,. nem sempre o vinho era usado para, manifestações religiosas. Existiam outras festas, bienais e outras manifestações na cidade que não incluía o vinho para o êxtase e sim instrumentos musicais.
Plenitude do êxtase, do entusiasmo, da possessão, mas também da bem aventurança, do vinho, alegria da festa, prazer do amor, felicidade do cotidiano, Dioniso pode trazer tudo isso se os homens souberem acolhê-lo, e as cidades reconhecê-lo, assim como pode trazer infelicidade e destruição, se negado. Mas em nenhum caso ele vem anunciar uma sorte maior no Além. Ele não preconiza a funga para fora do mundo, nem pretende trazer às almas através de um modo de vida acético, o acesso à imortalidade. Os homem devem pelo contrario, aceitar sua condição de mortal, saber que não são nada diante das forças que transbordam de toda a parte e que têm o poder de esmagá-los.Dioniso não faz exceção a regra. Seu fiel submete-se a ele como a uma força irracional que o ultrapassa e dele dispõe; o deus não tem contas a prestar; estranho a nossas normas, a nossos usos, a nossas preocupações, além do bem e do mal, surpreendentemente suave ou supremamente terrível, ele brinca de fazer surgir, à nossa volta e dentro de nós, as múltiplas figuras do Outro.( ( Mito e Tragédia na Grécia Antiga –Jan-pierre Vernant – Perspectiva 1ª edição)
Assim Vernant, nos mostra as características deste Deus tão cultuado, e a única forma de compreendê-lo é entrar em seu jogo, vivenciá-lo, estar dentro e presente em toda sua plenitude, onde a dimensão trágica da vida é revelada, sendo como um raio vindo do Além transfigura a morna paisagem da existência cotidiana.

6)   O êxtase Contagioso de Dioniso e sua semelhança com a contemporaneidade 

Como já foi dito o objetivo do culto ao deus era o êxtase, e para isso era usado tanto o vinho, musica, tambores e flautas ritmadas.  Através do êxtase a transformação e a “purgação” das dificuldades que o mundo nos apresenta eram diluídas e aceitas. Enfim sua função psicológica era satisfazer e aliviar o impulso de rejeição da personalidade.
Em todas as sociedades existem pessoas que “ as danças rituais fornecem uma experiência religiosa que parece mais satisfatória e convincente do que qualquer outra......É com os músculos que eles mais facilmente obtêm um conhecimento do elemento divino”( citação de Aldous Huxley – Ends and Means 232, 235).
O movimento rítmico da dança tem um poder poderoso sobre o individuo, que através dela consegui uma unidade e uma experiência fantástica com o divino,  esta experiência pode: curar, pois segundo um sábio maometano “ aquele que conhece o poder da dança habita Deus”. Mas este poder da dança é um poder perigoso é mais fácil começar a dançar do que parar. Na incrível  loucura dançante que invadiu a Europa periodicamente dos Séculos XIV ao XVII, as pessoas dançavam até cair – com um dançarino das Bacantes- ficando inconscientes , sendo pisoteadas por seu companheiros. O movimento dançantes é altamente contagiante ou infecciosa . Como observa Penteu em As Bacantes a loucura se espalha como fogo. A disposição para a dança toma posse das pessoas sem o consentimento da parte consciente da mente. Por exemplo : Muito improvável. É assim que o historiador John Waller, da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA, define seu próprio objeto de estudo. Em seu livro "A Time to Dance, a Time to Die" -Tempo de Dançar, Tempo de Morrer-, recém-lançado nos EUA , ele relata uma epidemia de  dança ocorrida no ano de1518, na França, que tirou a vida de dezenas de pessoas. Improvável, mas real. A "praga" começou com uma mulher, Frau Troffea, que saiu de casa num dia qualquer e pôs-se a dançar freneticamente, sem demonstrar nenhum sinal de alegria. De vez em quando, desmoronava exausta, apenas para retomar seu movimento sinistro algumas horas depois. Após alguns dias, a mulher foi levada à força a um templo, com os sapatos encharcados de sangue. Muitas pessoas, aparentemente sãs da mente e do corpo, também foram repentinamente possuídas por diabos, juntando-se aos demais. Estas pessoas abandonaram seus lares como as mulheres tebanas na peça de Eurípedes. Mesmo as mulheres mais jovens cortavam laços com a família e com os amigos, vagando com os dançarinos. A infecção só cresceu: em pouco tempo, mais de 30 pessoas haviam tomado as ruas perpetuando o transe dançarino. Em pouco mais de um mês, já eram 400. Apesar de não haver um registro exato, estima-se que pouco mais de uma centena de pessoas morreram de exaustão.

Os atingidos pela epidemia de 1518 ocupavam um ambiente de fé que aceitava a ameaça da praga divina, possessão ou feitiço. Eles não tinham a intenção de entrar em estados de transe, mas suas crenças sobrenaturais tornaram isso possível. Nessa área da Europa havia uma crença em uma praga de dança que podia ser enviada por São Vito.em alguns casos a obsessão compulsiva ressurgia a intervalos regulares, crescendo em intensidade até o dia de São João ou de São Vito. Apenas porque as pessoas já temiam esse santo foi possível que o seu estado histérico se manifestasse na forma de uma dança compulsiva e selvagem como as Bacantes nas festas do pico do monte.

Na Itália a “cura” periódica dos pacientes em estado de sofrimento, através da musica e da Dança Extática, parece ter se desenvolvido em um festival anual.

Dionísio está presente na dança de São João e São Vito, como libertador da loucura. Resistir a Dionísio é reprimir o que há de elementar na nossa própria natureza, e o extático é o repentino e completo colapso das represas internas, quando o elementar rompe a compulsão fazendo desaparecer a civilização.

Além disso, há certa semelhança  de detalhes entre a religião orgástica das Bacantes e a religião orgástica de outros lugares que merecem ser notadas, pois tendem a estabelecer que a mênade é uma figura real, não convencional, que existiu com diferentes nomes e em épocas e lugares muitos diferentes.

Podemos dizer que a primeira semelhança diz respeito às flautas e típanos ou tambores que acompanharam a dança mênade das Bacantes. Para os Gregos estes eram os instrumentos “ orgiásticos” por excelência. Eles eram usados em todos os grandes cultos de dança. Tais instrumentos podiam causar loucura e em doses homeopáticas podiam também curar. Dois mil anos depois em , 1518, quando os dançarino loucos de São Vito dançavam através da Alsácia, uma musica similar – musica de percussão e de sopro – foi novamnte usada com o mesmo propósito ambíguo : provocar e curar a loucura.
 Uma segunda semelhança pode se ver ao movimento de cabeça durante êxtase dionisíaco. Este movimento é algo que é repetidamente ressaltado nas Bacantes: “ jogando seu longo cabelo para os céus”; “ eu pararei de puxas seu cabelo para trás”,lançando minha cabeça para frente e para trás como em um bacanal”

Vamos dar três exemplos modernos de semelhança da dança do cabelo das Bacantes:

1) “ contínuo modo abrupto de lançar a cabeça para trás, fazendo o longo cabelo negro retorcer, acrescentava muito a sua aparência selvagem”
 (Citado em Frazer, O ramo de ouro, V.I.19) esta frase é de um relato missionário sobre uma dança canibal na Columbia Britânica.

2)“ seu longo cabelo foi sacudido pelos rápidos movimentos da cabeça para frente e para trás, acima da garganta inchada e protuberante” (E.R. Dodds-)
Esta frase descreve uma dança sagrada de devoradores de bode no Marrocos.

3) ..”a cabeça era sacudida de um lado para o outro ou lançada bem para trás, acima da garganta inchada e protuberante” este relato é uma descrição clinica de histeria possessiva feita por um médico francês.

Podemos citar outras semelhanças: os dançarinos extáticos de Eurípedes “ carregavam fogo em suas cabeças sem se queimar” ( Rohde, Psyque, VII n.43)
A dança do fogo é um ritual comum em nosso meio. Podemos citar Dança feita em homenagem a XANGÔ, o Deus do Fogo e dos Trovões.
Esta é uma das danças mais conhecidas e apreciadas da maioria do povo. É uma dança onde os bailarinos erguem tochas, dançando com elas, fazendo acrobacias, círculos, espirais, passando-as pelo corpo, deitando-se no chão, girando sobre elas, etc. Sem si queimar. Ao mesmo tempo em que dançam, acompanham o ritmo da música com o bater de pés, cantos e gritos de alegria.
( Cordão de Ouro Mangalot – Pirituba –SP Brasil)

A Caminhada sobre Brasas permite atingir um estado de plenitude e vivenciar uma experiência de profunda confiança em si mesmo. Dizendo sim para os próprios medos e usando-os como aliados, permitiremos que eles se dissolvam deixando espaço para a nossa energia criadora ferver em excitação e se expandir em direção a nossa realização e felicidade. ( Seminario com Daniela O Shinyos – O fogo da transformação – Piasada Café RS)

O mesmo acontece em viárias partes do mundo. Os dançarinos se apresentam como invulnerável enquanto Deus estiver com eles, exatamente como o Dançarino de Citeron

E.R.Dodds faz uma discrição da semelhança do uso da dança e da musica tipo extática em seu livro – Os Gregos e o Irracional – o uso espontâneo e curativo da dança e da musica tipo extática composta de: trompete, tambor e flautim na Abissínia no século XIX. Nathanael Pearce  escreveu um relato de 1810 a 1819, e apresenta vários pontos em comum com a descrição de Eurípides. No memento culminante da dança a paciente “ executava o movimento com tal velocidade que o corredor mais rápido não conseguiria alcançá-la, e quando ela havia percorrido uma distância de cerca de 180 metros, caía repentinamente, como que atingida por algo” existe uma passagem semelhante nas bacantes versos 1089 1090 ....não menos velozes que uma pomba eram os pés que as levavam em sua corrida impetuosa.....atravessaram de um salto a torrente da ravina e dos rochedos, enlouquecidas ....( As bacantes –Versão Universidade Coimbra- Portugal) “ Durante estes ataques eu os via dançar com uma garrafa sobre a cabeça, sem no entanto o líquido que ela continha, ou mesmo deixar cair a garrafa, embora seu corpo assumisse as extravagantes posses”.

7     Conclusão

Poderíamos, relatar vários exemplos de manifestações das extáticas religiosas  das Bancastes de Eurípedes acontece hoje em várias partes do mundo, de certa forma modificada mais muito semelhante.

 Sendo assim o uso de paralelos com a modernidade serve para esclarecer os fenômenos culturais e religiosos durante a história. Nenhuma geração pode fugir de sua própria sombra, nenhuma geração pode fugir de sua própria história, sem fazer referencia consciente ou inconscientemente, os seus próprios problemas.

Não podemos desconsiderar, que os elementos irracionais da natureza humana que governam, sem que o saibamos, muito de nosso comportamento e daquilo que acreditamos pensar.

Assim tentei mostrar que as manifestações extáticas religiosas que Eurípedes escreveu em suas Bacantes, não devem ser vista como imaginação. Mas existe sim uma relação mais intima com o culto real.

Dioniso ainda possui seus devotos ou suas vítimas, embora os denominemos atualmente de outra maneira; e, à sua época,Penteu teria sido confrontado a um problema que outras autoridades civis confrontavam na vida real.     

Termino este trabalho com uma citação do Filosofo e Historiador Mircea Eliade. Diz ele: “ ....toda manifestação do sagrado é importante; todo rito, mito, crença ou figura divina reflete a experiência do sagrado e por conseguinte implica as noções do ser, de significação e de verdade... É difícil imaginar de que modo o espírito poderia funcionar sem a convicção de que existe no mundo alguma coisa de irredutivelmente real; e é impossível imaginar como a consciência poderia aparecer sem conferir significado aos impulsos e às experiências do homem. A consciência de um mundo real e significativo está intimamente legado à descoberta do sagrado. Por meio da experiência do sagrado, o espirito humano captou a diferença entre o que se revela como real, poderoso, rico e significativo e o que é desprovido dessas qualidades, isto é, o fluxo caótico e perigoso das coisas, seus aparecimentos e desaparecimentos fortuitos e vazios e sentido.....Em suma, o sagrado é um elemento na estrutura da consciência, e não uma fase na história dessa consciência. ( Historia das das Crenças e das Idéias Religiosas I – Mircea Eliade –Editora Jorge Zahar. Ed 2010 – Pag. 13) 



Referências Bibliográficas:

ROCHA, Maria Helena-EURÍPEDES- As Bacantes de Eurípedes - Trad. Maria Helena da Rocha Pereira – Lisboa - Universidade de Coimbra – Edições 70, ltda. 1998
- VIEIRA- Trajano, As Bacantes de Eurípedes/ Trajano Vieira – São Paulo: Perspectiva, 2003
- ROHDE,Erwin. PSIQUE- La Idea Del alma y La inmortalidad entre los griegos. Trad.de Wenceslao Roces- México -1ª Edição em español – 1948-
-VERNANT, Jean-Pierre – Mito e Tragédia na Grécia Antiga- São Paulo - Perspectiva, 2008.
-KERÉNY, Carl – Dioniso/ Carl Kerény. Trad. Ordep Trindade Serra: rev. Rosana Citino. São Paulo: Odysseus, 2002.
-DODDS, E.R – os Grego e o Irracional/E.R.Dodds; tradução de Paulo Domenech Oneto – São Paulo: Escuta, 2002.
-ELIADE,mircea – História das Crenças e das Idéias Religiosas, Volume I/ Mircea Eliade; tradução Roberto Cortes de Lacerda – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2010.
-LEWIS, Ioan m.- Êxtase Religioso – Tradução José Rubens Siqueira de Madureira – Editora Perspectiva – São Paulo.

"A subjetivação da experiência artística segundo Hans Georg Gadamer." Weksley Pinheiro Gama


A subjetivação da experiência artística segundo Hans Georg Gadamer.
 Weksley Pinheiro Gama[1]

RESUMO
Esta comunicação tem como objetivo tratar da análise feita por Gadamer relativa à consciência estética como fundamento desde o qual foi possível a subjetivação da experiência artística. Tendo a estrutura subjetiva ou transcendental como princípio basilar desta consciência, vemos a necessidade de ter em conta a atenção que Gadamer dispensa às elaborações críticas de Kant, isso porque Gadamer demonstra que a subjetivação da experiência artística se fundamenta na obra crítica deste último. Segundo Gadamer, lidar com a experiência artística a partir da consciência estética é restringir a riqueza de sentidos da própria experiência que não deve ser centrada na estrutura subjetiva como propõe Kant, pois assim a experiência da arte não aparece em sua amplitude fundamental. A aposta de Gadamer é que existe uma forma mais originária desde a qual possamos lidar com a experiência artística, esta possibilidade começa a ser demonstrada pelo filósofo desde o conceito de jogo, pois este funciona como meio de ir além da subjetivação decorrente do pensamento kantiano, podendo, assim, vivenciar o fenômeno da arte desde novos contornos.
***

Ao entrar em contato com as elaborações de Gadamer em sua obra capital Verdade e Método, é possível ver que ele dialoga com a experiência da obra de arte em seu projeto de demonstração dos traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Convém dizer que, no pensamento de Gadamer existem três esferas entre as quais se reparte a experiência hermenêutica. Estão são: esfera estética, esfera histórica e esfera da linguagem. A presente exposição se ocupará com a primeira das esferas enumeradas.

No cerne de seu empreendimento reflexivo, Gadamer nos mostra a consciência estética como um dos meios desde os quais a experiência da arte nos vem ao encontro. Para lidar com esta indicação é preciso abordar o que, segundo Gadamer, fundamenta a consciência estética como tal. Ao fazermos isso, vemos como elemento basilar da consciência estética parte do pensamento crítico kantiano, o que nos leva a abordar brevemente alguns aspectos da trajetória reflexiva de Kant.

A análise da experiência artística ocorre na obra chamada Crítica da Faculdade do Juízo, mais precisamente na primeira parte do escrito, intitulada analítica do belo. É importante ter em vista que nesta obra Kant nos traz as faculdades superiores, que são divididas da seguinte forma: entendimento, razão e faculdade de julgar. Em seguida o filósofo apresenta o sentimento de prazer e de desprazer, bem como a faculdade de desejar. Ao desdobrar esta discussão, Kant mostra que cada uma dessas faculdades [prazer, desprazer e faculdade de desejar] se submete às leis de uma das faculdades superiores do conhecimento. Vejamos como isso ocorre: o entendimento legisla sobre a faculdade de conhecer, a razão legisla sobre a faculdade de desejar e, por fim, a faculdade de julgar legisla sobre o sentimento de prazer e de desprazer. Cabe que atentemos para o fato de Kant apresentar estas faculdades como aparentadas, mesmo que atuem em esferas diferentes. Com isso, o filósofo nos mostra que estas faculdades são próximas entre si, formando ordenações internas que se articulam, se relacionam e podem ser compreendidas, em alguns casos, por analogia [como veremos adiante].

 Kant busca demonstrar como se processa a dedução dos juízos sobre o belo. Estes juízos são o que o autor denomina como juízo de gosto.

No juízo de gosto quanto ao belo, Kant nos mostra que o prazer da beleza não se baseia nas sensações geradas pela existência material do objeto nem tampouco em conceitos. Tendo em vista que todo interesse deriva de particularidades empíricas e materiais dos objetos, vemos que para Kant o juízo de gosto tem como característica o desinteresse quanto à concretude ou finalidade a que se destina o objeto. “Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse. O objeto de tal complacência chama-se belo”.[2] [Em linhas gerais, a palavra complacência é usada aqui por Kant no sentido de uma sensação de prazer ou dor] Segundo Kant, consideramos belo um objeto que apraz sem ter a mediação de conceitos ou finalidade. Portanto, no juízo de gosto quanto ao belo temos um tipo de conformidade a fins sem fim, pois o objeto tido como belo parece existir conforme a um fim. Tendo em vista que um objeto é considerado conforme a um fim quando sua existência se baseia em conceitos, no caso dos objetos tidos como belos, é como se tivessem sido concebidos com a finalidade de gerar prazer ao sujeito, mas não é o que de fato ocorre. Assim, vemos que Kant nos mostra que o fundamento da beleza está em um tipo de conformidade a fim, mas esta existe sem que nenhum fim seja de fato encontrado para o objeto. Isso tanto do ponto de vista objetivo quanto do subjetivo.

“Logo, nenhuma outra coisa senão a conformidade a fins subjetiva, na representação de um objeto sem qualquer fim (objetivo ou subjetivo), conseqüentemente a simples forma da conformidade a fins na representação pela qual um objeto nos é dado, pode, na medida em que somos conscientes dela, constituir a complacência, que julgamos como comunicável universalmente sem conceito, por conseguinte, o fundamento determinante do juízo de gosto”.[3]

Desse modo, o prazer gerado pelo belo só pode ser estabelecido a partir do uso das faculdades de conhecimento da estrutura subjetiva. Na analítica do belo Kant se esforça para demonstrar como isso é possível e afirma que o fundamento de determinação que nos leva a considerar determinado objeto como belo é um tipo de disposição desde a qual se relacionam as faculdades de conhecimento.
Como vimos, nem toda conformidade a fim que captamos é entendida desde um fim existente de fato para explicá-la. Em geral a conformidade a fim de um objeto é alcançada desde um processo de determinação esquemático no qual a sensibilidade capta o que se tem diante dos sentidos e o que é captado passa pela imaginação visando encontrar um princípio de determinação para o mesmo no entendimento, este princípio é o que Kant chama de conceito. Se admitimos que existe algo como um princípio de causalidade no objeto chamado de belo, vemos que este princípio não pode ser encontrado no entendimento. Contudo, como indicamos brevemente acima, Kant indica que há semelhanças entre o modo como se estabelece o juízo de conhecimento e o juízo estético de gosto.

Tanto o juízo de conhecimento quanto o juízo de gosto podem possuir um assentimento universal, pois em última instância o juízo de gosto possui como fundamento a faculdade do entendimento. Vejamos isso mais de perto.

Na captação da multiplicidade da intuição sensível, ocorre a subsunção a um conceito do entendimento através do esquematismo da faculdade da imaginação. Assim, a verificação da correlação entre o percebido e o conceito ocorre pela mediação do esquema, que é um tipo de regra que a imaginação se utiliza, desde o conceito, para compor um exemplo singular. Dessa forma, vemos que o juízo determinante repousa em conceitos determinados pelo entendimento e por isso é tido como objetivo e invariável de sujeito para sujeito. Essa invariabilidade permite um tipo de comunicabilidade universal a partir do conceito objetivo. Visto isso, vejamos como isso ocorre no juízo de gosto. Neste caso, segundo Kant, as mesmas faculdades subjetivas são colocadas em curso, contudo elas não atingem o objetivo de estabelecer um conceito quanto ao juízo de gosto. “As faculdades de conhecimento, que através desta representação são postas em jogo, estão com isto em um livre jogo, porque nenhum conceito determinado limita-as a uma regra de conhecimento particular”. [4] Segundo Kant, a representação dada pelo juízo de gosto não unifica entendimento e imaginação, mas alcança assentimento universal através da estrutura peculiar segundo a qual as faculdades se relacionam diante de um objeto tido como belo. Desse modo, as faculdades esquematizam livremente, sem conceito, estando entregues as suas capacidades produtivas.

“Mas o esquematismo é sempre o ato de uma imaginação que já não é livre, que se acha determinada a agir conforme a um conceito do entendimento. Na verdade, a imaginação faz algo diferente de esquematizar: manifesta a sua liberdade mais profunda refletindo a forma do objeto, ela joga-se de certo modo na contemplação da figura, torna-se imaginação produtiva e espontânea. Eis, pois um acordo entre a imaginação como livre e o entendimento como indeterminado. Eis um acordo igualmente livre e indeterminado entre faculdades”. [5]

Segundo Kant, a partir desse livre jogo ocorre uma vivificação do ânimo e um tipo de ajuizamento peculiar que nos fornece uma possibilidade de assentimento universal desde a forma a partir da qual todos os seres humanos se relacionam – do ponto de vista de suas faculdades subjetivas – com os objetos belos. Kant presume algo de absoluto nesse sentido, a comunicabilidade do juízo de gosto se funda no fato de, na concepção do filósofo, todo sujeito ser capaz de usufruir dessas faculdades[6]. Ao passo que quando isso não ocorre é devido ao uso inadequado das capacidades subjetivas constitutivas da estrutura subjetiva de todo ser humano. “O juízo de gosto imputa um assentimento a qualquer um; e quem declara algo belo quer que qualquer um deva aprovar o objeto em apreço e igualmente declará-lo belo”. [7] Com efeito, o prazer que julgamos comunicável e o assentimento comum para esse juízo, são possibilitados pelo acordo entre as faculdades referido acima. O livre jogo entre imaginação e entendimento não pode ser conhecido conceitualmente, mas pode ser sentido pelo sujeito onde acontece este livre jogo. Convém pontuar que este acordo não presume nenhum tipo de submissão de uma faculdade diante da outra, pelo contrário, cada uma das faculdades (imaginação e entendimento) fica entregue de modo livre as suas capacidades, cada uma por sua conta. Em última instância, segundo Kant

“somente sob a pressuposição de que exista um sentido comum (pelo qual, porém, não entendemos nenhum sentido externo, mas o efeito decorrente do jogo livre de nossas faculdades de conhecimento), somente sob a pressuposição, digo eu, de um tal sentido comum o juízo de gosto pode ser proferido”.[8]

Vemos nas indicações de Kant que o sentido comum é necessário para que o juízo de gosto quanto ao belo possa ser enunciado. Portanto nosso percurso mostrou que o livre jogo entre as faculdades subjetivas tomadas como existentes em qualquer sujeito mesmo que não utilizadas nas mesmas condições em todos, podem abrir caminho para um assentimento universal e objetivo do juízo de gosto desde a analogia com o modo como as faculdades se relacionam na enunciação de juízos de conhecimento. Assim, comunicabilidade do juízo de gosto é garantida pelo modo como as faculdades operam em qualquer sujeito.

Após essa breve incursão ao pensamento kantiano, vejamos o que Gadamer nos indica quanto ao juízo.
A “sã compreensão humana”, de vez em quando também denominada “compreensão comum”, é, de fato, caracterizada decisivamente pelo juízo. É isso que diferencia um tolo de uma pessoa inteligente? O fato de aquele não possuir nenhum juízo, isto é, o fato de ele não poder subsumir corretamente e, por isso, de não ser capaz de aplicar corretamente o que aprendeu e sabe.[9]

Assim, o juízo é estabelecido como uma virtude fundamental do sujeito. Esta virtude se mostra, segundo Gadamer, como algo que deve ser exercitado de caso a caso, sendo uma capacidade tal como nossos sentidos. Embora, no que concerne ao juízo de gosto, seja inviável estabelecer uma demonstração conceitual relativa aos mesmos. Nesse sentido, ocorre uma delimitação do conhecimento conceitual que funciona também como uma demonstração de que o juízo estético fica restrito ao julgamento dos fenômenos relativos à arte e ao belo, não sendo possível a extração de conceitos destes juízos. Para Kant, não podemos ter o juízo estético como meio de acesso a verdade, pois para ele a verdade é a adequação do conhecimento ao seu objeto de modo tal que seja possível, assim, demonstrar a verdade conceitualmente. Convém dizer que este modelo de verificabilidade também caracteriza a verdade na chamada ciência moderna. E, não obstante, segundo Gadamer, não podemos “(...) esperar o fundamento de determinação do juízo de gosto da força de argumentos, mas somente da reflexão do sujeito sobre seu próprio estado (de prazer ou desprazer), com rejeição de todos os preceitos e regras”.[10] Segundo o que nos indica Gadamer, podemos notar sem dificuldades que a finalidade das elaborações de Kant é deixar claro o modo como se dá a recepção do que chamamos de experiência estética, que é: centrada exclusivamente no âmbito da estrutura transcendental do sujeito. Nesse sentido, ao captar um objeto artístico, o sujeito apenas se ocupa dele usufruindo do livre jogo entre as faculdades de imaginação e entendimento. Quanto à noção de gosto, Gadamer afirma que esta aparece como um princípio próprio do Juízo, sendo atributo do sujeito que julga com vistas a captar e alocar o visualizado a partir das categorias da estrutura transcendental que Kant estabelece. Com isso, os fenômenos passam a ser enquadrados desde premissas contidas na própria estrutura do sujeito. Nesse, direcionamento, na visão de Gadamer, Kant indica que o sujeito se determina como um eu consciente de si, sendo o sujeito primeiro do conhecimento e da ação[11].

 “O que Kant de sua parte, através de sua crítica do juízo estético, legitimou e queria legitimar, era a universalidade subjetiva do gosto estético, na qual não se encontra mais nenhum conhecimento do objeto” (...). [12] Gadamer aponta como conseqüência desta subjetivação radical o embasamento desde o qual a consciência estética ganha autonomia. Esta autonomia acaba por tornar infecunda a lida com a experiência da arte, pois um caráter de atemporalidade se instaura desde então. “É assim que, através da ‘consciência estética’, a obra perde o seu lugar e o mundo a que pertence por se tornar parte integrante da consciência estética.” [13]

Bem, Gadamer não deixa dúvidas em afirmar que a consciência estética é a capacidade que o sujeito possui de julgar a experiência artística desde seu aparato cognitivo independente da época e do lugar onde se encontrem ambos. Sendo, portanto, uma capacidade universalmente dada ao sujeito que julga e classifica a experiência em detrimento de qualquer vinculação contextual quanto a si mesmo e quanto à obra de arte, o que é um equívoco do ponto de vista da hermenêutica gadameriana,

Segundo o filósofo, a consciência estética se mostra vinculada ao modelo de verdade estabelecido pelas ciências, de modo que toda experiência que não se enquadre nesse molde deve ser desconsiderada em seu estatuto de validade. Nos dizeres do próprio filósofo “Não poderemos fazer justiça a experiência da arte do ponto de vista da consciência estética (...)”.[14] Gadamer acredita na possibilidade de uma relação com a arte onde não haja a prevalência do sujeito que se encontra diante da obra, desde a consideração do jogo que se estabelece entre os horizontes daquele que concebe a obra e daquele que a interpreta. Com vistas a reafirmar a posição de Gadamer frente ao problema exposto, vejamos o que nos diz a citação a seguir: “A experiência da arte não poderá ser cumprida com o descomprometimento da consciência estética”.[15] Voltando nossas atenções para o termo ‘descomprometimento’, podemos notar que o que chamamos de obra de arte e vivenciamos esteticamente repousa sobre a abstração decorrente do modo de ser da consciência estética. A abstração caracteriza justamente o arrancar toda experiência estética de seu contexto e desvalorizar o jogo que se estabelece entre quem está diante da obra com a mesma. “Pois que na consciência estética encontramos as feições que caracterizam a consciência formada: elevação ou rejeição imediata, deixar e fazer valer aquilo que não corresponde à própria expectativa ou à própria preferência.” [16] Aqui Gadamer faz menção a pretensão de neutralidade diante das perspectivas históricas e pessoais que aquele que interpreta a obra desde a consciência estética se encontra, ratificando que no domínio da consciência estética não há relação alguma com o contexto a partir de onde sempre se encontram a obra e aquele que se posta diante da mesma.
Diante disso, Gadamer assume a tarefa de trazer à luz um modo de lida com a experiência da arte que possa estar fora do domínio restrito da estrutura subjetiva e da abstração da consciência estética. O desafio passa a ser a demonstração de que o papel ocupado pelo sujeito participante da experiência artística não pode ser visto de maneira tão centralizada como ocorre desde o pensamento de Kant. Pelo contrário, Gadamer aponta a primazia do jogo da experiência frente à posição dos extremos envolvidos no processo. “O jogo não surge na consciência do jogador, e enquanto tal é mais do que um comportamento subjetivo” [17]. Esta passagem aponta para um redirecionamento do modo de lidar com a obra de arte, pois, como vimos acima, a obra de Kant culminou numa absolutização da estrutura subjetiva na relação com a arte. Este novo modelo tem em vista que a experiência da obra de arte não deixa inalterado aquele que se encontra diante da mesma, o que demonstra a impossibilidade de um componente subjetivo, previamente conformado, para julgar o fenômeno artístico. Para Gadamer, desde esta constatação, existe a possibilidade de compreender melhor o que nos vem ao encontro nessa experiência. Doravante: “O sujeito do jogo não são os jogadores, porém o jogo, através dos que jogam simplesmente ganha representação.” [18] Segundo Gadamer, o atrativo do jogo é que ele se assenhora do jogador conduzindo este por caminhos desconhecidos pelos quais o participante se deixa levar mesmo diante do risco eminente de não poder assegurar-se de si. Esta maneira de vivenciar a arte pode demonstrar a verdade que a mesma nos traz ao encontro.

“(...) a obra de arte é uma provocação para nossa compreensão porque se subtrai sempre de novo às nossas interpretações e se opõe com uma resistência insuperável a ser transposta para a identidade do conceito.” [19] Desse modo, Gadamer justifica sua opção temática pelo caráter provocador e inovador que a experiência artística resguarda, e isso aparece como enriquecimento para sua hermenêutica filosófica.





[1] Texto concebido para ser apresentado no III Simpósio de pesquisa e extensão em filosofia – UFES.
[2] Idem. Pg. 54.

[3] Idem. Pg. 67.
[4] Idem . Pag. 62
[5] Deleuze, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Reimpressão. - (O saber da filosofia; 3) Edições 70. 2009.
[6] Seria cabível abordar alguns desdobramentos da primeira crítica kantiana (Crítica da razão pura). Mais precisamente à dedução transcendental da obra referida. Mas tentando respeitar os limites desse trabalho de conclusão, isso ficará para outra ocasião.

[7] KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e Antônio Marques – 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. Pg. 83.

[8] Idem. Pg. 85.
[9] GADAMER. Hans Georg. Verdade e método; tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis: Vozes, 1997, 2ª edição. Pag. 76.
[10] KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do Juízo; tradução de Valério Rohden e Antonio Marques. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. Pag. 132.
[11]  Aqui vemos a necessidade de um esclarecimento. Na acepção kantiana este termo é “empregado logicamente para falar do ‘gênero sujeito’ ou daquilo de que as coisas são predicados, possui, assim, uma função lógica; também é usado para designar a matéria e como um modo de designar a substância como o ‘sujeito primeiro’ ou aqueles seres que ‘são denominados substância porque não são predicados de um sujeito, mas tudo o mais é predicado deles’”. (CAYGILL, 2000)
[12] GADAMER. Hans Georg. Verdade e método; tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: vozes 1997, 2 edição.Pag. 91.
[13] Idem. Pag. 155. 
[14] GADAMER. Hans Georg. Verdade e método; tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: vozes 1997, 2 edição.
[15] Idem. Pag. 169.
[16] Idem. Pag. 151.
[17] Idem. Pag. 25.
[18] Idem. Pag. 176.
[19] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice; tradução de Enio Paulo Giachini; revisão de Marcia Sá Cavalcante Schuback. – Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2002. Pag. 15.