terça-feira, 26 de outubro de 2010

"DIONISO – MITO E CULTO NO MUNDO GREGO" Antônio Maia

DIONISO –  MITO E CULTO NO MUNDO GREGO

Antônio Maia


1)   Filosofia da Religião

A religião e as manifestações religiosas são estudadas pela história, pela filosofia, pela psicologia, pela fenomenologia, pela psicanálise e pela Sociologia. Todas essas ciências estudam metodicamente a consciência religiosa concreta e suas múltiplas objetivações na história. A filosofia da religião tenta esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na existência humana. Isso é, estuda a consciência do homem  e sua auto compreensão a partir do absoluto enquanto atingível pela inteligência. A filosofia da religião é uma reflexão realizada com a única ajuda da razão, sendo seu objetivo a religião e as condições em que elas são possíveis.

A filosofia da religião tematiza a abertura do homem para o mistério que o envolve de maneira positiva, aceitando-o ou de maneira negativa rejeitando-a, estuda, assim, a relação do homem com o santo no horizonte da auto compreensão humana.

“Segundo Rudolf Otto (1869-1927), o sentimento único vivido na experiência religiosa, a experiência do sagrado, em que se confundem a fascinação, o terror e o aniquilamento.”


2)   Introdução

A questão do êxtase, rito, dança, me encontrou desde muito cedo, em minhas pesquisas extras disciplinares entre a história da filosofia da religião e seus cultos. Povos antigos que religam o mundo dos mortos como o nosso mundo é central para isso. Entre eles: os Trácios, Helenos, Romanos, Modernos, Contemporâneos, sempre através de seus filósofos, homens divinos que exerceram influencia na formação do mundo e da alma humana.

Neste trabalho, a pretendemos mostrar de uma forma sucinta, como a dança, o êxtase, o rito e outras experiências espirituais  sempre estiveram presente nos povos espalhados sobre a face da terra, da época mais remota a contemporaneidade.Pretende explorar o mais decisivo e profundo de todos os dramas religiosos, a tomada do homem pela divindade .

Tais encontros extáticos não são de forma alguma uniformemente em todas as religiões, mas a semelhança sempre existiu. È difícil encontrar uma religião que não tenha, em algum estágio de sua história, exemplos de transportes de exaltação mística nos quais todo ser do homem parece se fundir em gloriosa comunhão com a divindade.

Experiências transcendentais deste tipo, tipicamente concebidas como estados de “possessão” têm dados aos povos a reivindicação única de conhecimento experimental direto do divino, e autoridade para agir como privilegiado canal de comunicação entre o homem e o sobrenatural.
 Os fenômenos acessórios aliados a esta experiência, particularmente: dom de línguas, profecia, clarividência, comunicação com os mortos, curas, milagres e outros dotes místicos têm, naturalmente, atraído atenção dos devotos e céticos. Para muitos, de fato, esses fenômenos parecem fornecer provas persuasivas da experiência de um mundo transcendente ao da experiência cotidiana comum.

Teremos como ponto de partida Tragédia Grega As Bacantes de Eurípides onde Dioníso é considerado pela historiografia como um dos deuses mais controversos do mundo antigo. Permeando todo o imaginário religioso e social, obteve seu apogeu no século V a.C., com a dramatização de seu culto nas apresentações teatrais. Eurípedes foi um dos grandes dramaturgos que colocou o culto a Dioniso em suas peças. A tragédia, As Bacantes, elucida toda a complexidade deste deus e seu caráter contraditório e ambíguo. O que se pretende com este trabalho é uma breve reflexão sobre algumas facetas de Dioniso, suas festas e a herança que este Deus deixou até nossos dias, a contemporaneidade. Pretendemos também mostra que a herança dessa manifestação religiosa pode ter vindo de épocas bem mais arcaica, e chegado a nossos dias com pequenas alterações mas com a mesma essência.

3)   Dioniso e sua provável origem. Dados Cronológicos
Em 408 a.C. Eurípedes Deixou Atenas, em direção a Macedônia, cujo rei Arquelau, o convidara para a sua corte. Deixando par atrás uma longa carreira dramática, iniciada em 455 a.C., e premiada pela primeira vez , em 441 a.C. A . Mas premiação máxima nunca tinha sido outogarda, mas, pelo ano 406 a.C. ano da sua morte, seu filho levou á cena, nas Dionísias Urbanas, a trilogia formada por: Ifigénia em Áulide, Alcméon e As Bacantes, essa obra ganhou postumamente o primeiro premio ( As bacante- Intrudução, tradução do grego e notas de : Maria helena da Rocha Pereira- Universidade de Coimbra- Edições 70 ).
Descobertas mais recentes mostram que o culto a Dioníso e mais antigo que as tragédias Gregas. Provas recente nos mostram que o Deus era venerado em tempos micénicos, uma vez que o seu nome figura, pelo menos, em duas tabuas de Pilos ( Pilos ou Pilo (em grego Πύλος, Pylos). “Foi uma importante cidade durante o período micénico, e subsequentemente, na Grécia Clássica, onde foi uma aliada de Esparta  na Guerra do Pelopeneso”. E também escavações da ilha de Ceos comprovam a prática de seu culto, naquele local, sem descontinuidade, desde  o Século XV  a.C..
Segundo o mito; Dioniso é filho de Zeus e de uma princesa, Sêmele, filha de Cadmo, rei de  Tebas. Tomada de ciúme, Hera prepara-lhe- uma armadilha  e Sêmele roga a Zeus que se mostre a ela em sua verdadeira forma de deus celeste. A imprudente é fulminada por um raio, dando luz antes do termino . Zeus, entretanto, cose a criança em sua coxa e, passados alguns meses, Dioniso vem ao mundo . Ele é, na verdade, “ duas vezes nascido”. Numerosos mitos de origem apontam os fundadores das famílias reais como oriundos da união entre deuses e mulheres mortais. Mas Dioniso em seu segundo nascimento, proveio de Zeus.
    
4)   O Dioniso dos Atenienses e Seus adoradores
A loucura Dionisíaca
 Era um deus que caminhava no meio dos homens, dividindo-os entre os que rejeitavam seu caráter sobrenatural e aqueles que se a ele se convertiam imediatamente. Dioniso separava os homens das mulheres - sua divindade se fazia entender pela música; e muitas vezes apenas os seres marginais da sociedade grega, estrangeiros, escravos e mulheres eram capazes de entendê-la. Fato compreensível – como hoje, para muitas pessoas do mundo antigo a música constituiu a única coisa capaz de tornar o cotidiano suportável.  
 Decerto, havia no Olimpo outras formas de conceber a loucura – o deus Ares, por exemplo, exprimia a demência da brutalidade e da estupidez da guerra, a insânia que se apossa do guerreiro induzindo-o ao massacre e à crueldade. Afrodite, ao lado daquilo que há de luminoso no amor, manifestava também um lado obscuro: o ódio provocado pelo amor não correspondido, o ciúmes assassino, o desatino da paixão cega.  
Em contrapartida, no delírio religioso dionisíaco, a loucura assumia outra forma.  Ao contrário dos outros deuses, aos quais os gregos prestavam piedade ritual, fazendo libações e sacrifícios, indo em procissões até seus templos, em dias regulares do ano, Dionísio cavalgava seus fiéis, habitava a pessoa, levava ao transe, à dança e à alegria.  Era um deus errante, irrequieto, vagabundo, que chegava sem avisar, que não tinha destino certo e nem hora de partir. Num certo sentido, representava um pharmakós – ao mesmo tempo representava a loucura e ensinava a curá-la. Tanto era capaz de enlouquecer inimigos, como indicava aos seus seguidores a forma de saná-la - aceitando-a, transformando a loucura num grau mais elevado de lucidez, através da arte.   
 Mas Dioniso é um deus que, simultaneamente, cura a loucura do mundo mediante seu lado civilizador, pois é o deus que patrocina o banquete e preside o teatro. É ele quem arrebata os homens da vida cotidiana, que conduz à festa, que lhes ensina a ir além do tédio e do bom senso. No banquete, produz o kômos, porque é o deus do vinho. O kômos, o cortejo de mascarados que se segue ao banquete, é também um estado da alma proporcionado pelo vinho; não exatamente a embriaguez, mas um estado de espírito, um tanto exaltado, que facilita o convívio, desata a palavra, anima a conversa e reúne os homens. Esse estado de espírito é que permite ver o que permanece ao lado, fazendo com que o real ganhe um aspecto do não familiar, que se aperceba do inusitado, daquilo que é entrevisto, daquilo que permanece à margem de nossa percepção cotidiana.  

Dioniso e a Música
É a música que anuncia a presença de Dioniso.  O caráter enigmático da música desafia a filosofia até hoje – é algo que resiste à apreensão do discurso, porque ela constitui uma proto-linguagem, compreensível para os homens a despeito das diferenças de língua, capaz de transpor barreiras de tempo e de história.  É também uma espécie de arrebatamento – do ponto em que se está, a magia da música transporta a um outro lugar, modifica o espaço entre as pessoas e torna perceptível o fato da subjetividade humana ser tecida de tempo. Seu poder de suspender o sofrimento e de desafiar a morte constituía o coração do mito de Orfeu, o mesmo Orfeu que, sendo sacerdote de Apolo, teve uma morte dionisíaca. A música é algo que ressoa no vazio interno de cada um e, muito mais do que conforto, clama por um movimento do sujeito que escuta – a dança é só seu sinal mais imediato.   

O Canto e a Dança   
 Canto, dança,  ação e literatura, cenografia e arquitetura, a arte total – como hoje podemos conceber um mundo em que o teatro não existia, para compreender a dimensão do que foi inventado? Ao mesmo tempo, o teatro grego não é o mesmo teatro que hoje se conhece. Não havia surpresas no enredo trágico, os gregos sabiam de cor o que se passava em cena. Não havia a idéia de que o indivíduo dominava o destino, nem de merecimento da sorte. O poeta trágico colocava em cena crises de personagens conhecidos em situações já sabidas, mas ao colocá-las em presença e no presente, era capaz de extrair aspectos desconhecidos daquilo que todos julgavam saber. 
Ritos e Festas.  
Os ritos de Dioniso são definidos como fenômenos religiosos que instituem um espaço cultural de liminaridade, de transgressão e de inversão das leis habituais.Os ritos de liminaridade (“significa o afastamento do indivíduo ou de um grupo, quer de um ponto fixo anterior na estrutura social, quer de um conjunto de condições culturais(…).”  funcionam como um auto-retrato invertido da comunidade para a sua renovação periódica. O homem, nos ritos dionisíacos, se comporta de forma caótica, com a transposição de todos os limites. É uma experiência de regressão ao caos, de retorno às origens; é uma morte simbólica da sociedade, para depois haver o retorno ao normal após três ou quatro dias de orgias, bebedeiras, festas, etc.
Dioniso é o deus do elemento líquido (não-sólido, não-firme), do vinho, do mar, da embriaguês e da dissolução do homem. Ele é o deus da euforia, da histeria, da mania e do êxtase. Ele freqüentemente aparece rodeado por sátiros, ou acompanhado por um cortejo de feras.
Na época de seu advento (festa das Anthestérias, festa da primavera, dos mortos e de Dioniso), Dioniso chega às cidades pelas montanhas ou pelo ou pelo mar, numa barca. O deus nunca chega pelas vias normais. Pelas ruas da cidade vai rolando a barca de Dioniso sobre quatro rodas. O mar invade a cidade: o elemento líquido dissolve a terra.
Dioniso é o deus de elementos perigosos, reprimidos e proibidos, mas que têm de ser soltos na terra alguns dias por ano. Como ele é um deus de inversões, ele é um deus muito cultuado por mulheres; elas rompem com seu papel socialmente definido para se tornarem bacantes, e se tornam felicitas.
Anthestérias/Dionísias urbanas: festas populares da primavera, em que domina um ambiente de liminaridade: os mortos invadem a cidade, a água invade a terra, a primavera invade o inverno, a natureza invade a cidade.
Dioniso é deus de tudo o que está enterrado, trancado, e precisa vir à tona sob a forma de ma irrupção violenta: o sangue que jorra da ferida, os mortos que irrompem do subterrâneo, as paixões que se libertam na alma humana, as feras aprisionadas, tudo o que "salta para fora" da norma, como a brotação que, no inverno, rompe a neve e traz a primavera.
O circuito ritual dionisíaco é: ékstasis (sair de si, 'fora do estabelecido') -> enthousiasmós ('alegria de ter o deus dentro') -> hypochrités ('aquele que se oculta por baixo' da máscara, ou por trás de outra pessoa — é a palavra usada para designar ator) -> metamórphosis -> kátharsis (alívio final).
Ditirambo (dithýrambos) canto coral de caráter dramático e eufórico com muitas pessoas, acompanhado de dança com muitas mímicas e gestos.

Dioniso e sua Relação com a Vida
O filosofo e hitoriador Mircea Eliada, nos dá uma boa explicação de como Dioniso representava a vida em sua plenitude, isso é, em sua totalidade. Ele Diz:
....Dioniso está relacionado com a totalidade da vida, como demonstram suas relações com a água, os germes, o sangue ou o esperma, e os excessos de vitalidade ilustrados por suas epifanias animais ( touro, leão, bode). Suas nanifestações e desaparecimentos inesperados refletem de certa forma o aparecimento e a ocultação da vida, isso é, a alternância da vida e da morte, e por fim sua unidade. Mas não se trata em absoluto de uma observação “objetiva” desse fenômeno cósmico, cuja trivialidade não podia suscitar qualquer idéia religiosa, nem produzir mito algum. Por meio de suas epifanias e ocultações, Dioniso revela o mistério – e a sacralidade- da conjugação entre a vida e a morte. Revelação de natureza religiosa, portanto é efetuada pela própria presença do Deus. Pois esse aparecimentos e desaparecimentos nem sempre são relacionados ás estações – Dioniso mostra-se durante o inverno e desaparece no mesmo festival de primavera onde realiza sua mais triunfal epifania.( Historia das Crenças e das Ideias Religiosas I – Ed Zahar – Ed 2010 pag. 340)

As Bacantes ou Mênades

 As bacantes eram sempre mulheres. Os homens gregos da época, que buscavam saber o que as mulheres faziam nos cultos dionisíacos no meio das florestas, conforme se lê em As Bacantes, de Eurípides, supunham que elas iam se entregar a “bacanais”, a rituais ligados à sexualidade. Contudo, essa era a interpretação masculina. Isto é, os homens gregos não podiam conceber que as mulheres pudessem ter acesso à transcendência e ao contato direto com o divino; o êxtase feminino era reduzido ao orgasmo. Significativamente, para os gregos, seguir Dioniso era ser tomado pelo entusiasmo, isto é, ser habitado pelo deus, ter o “deus dentro de si”. E, para os gregos, que cultuavam valores apolíneos da justa medida, do equilíbrio, do conhecimento de si e do autodomínio, esse tipo de entusiasmo era considerado uma espécie de loucura.  
As bacantes, no seu êxtase, vivem num mundo feito de felicidade, de bem-aventurança, onde os animais selvagens se reconciliam com os homens; onde o leite, o vinho e o mel jorram da terra, mundo que oscila entre imaginação e realidade.  A palavra “mênades”, nome dado às sacerdotisas de Dioniso, remete à palavra “mania” - possuídas pelo deus, o seu delírio, no mais das vezes pacífico, podia, no entanto, se tornar sanguinário. Dioniso é também um deus selvagem e vingativo, as bacantes trucidam seus inimigos, despedaçando-os.  
5)   Eurípedes e a celebração do mistério dionisíaco
Milagres específicos eram características ao culto frenético e extático de Dionísio que acompanham suas epifanias: a água que jorra da rocha, os rios que se enchem de leite e de mel. Em Teos , uma fonte de vinho esguicha aos jatos nos dias de seu festival  ( Diodoro da Sicília, III, 66,2.) Na elida, três jarros vazios, deixados durante a noite num quarto lacrado, aparecem no dia seguinte cheios de vinho ( Pausânias, VI, 2, 6, 1-2).  Pagina 343 Mircea Eliade mostra que o mais  famoso deste milagres era o: “ videiras de um dia” que floresciam e produziam uvas em algumas horas; o “milagre” ocorria em diversas partes, a julgar pelos numerosos autores que dele falam”
Estes milagres refletem o elemento mais original do Deus Dioníso. Temos em As Bacantes de Eurípedes um testemunho de grande valor no antigo teatro grego. O próprio Dioniso é o protagonista de As Bacantes. Sentido ultrajado por seu culto ser ainda ignorado na Grécia.
“ O êxtase dionisíaco não é obra de um individuo isolado, mas um fenômeno de massas, que arrebata as pessoas à sua volta de forma quase contagiante. Isso exprime miticamente, dizendo que o deus está sempre rodeado de um exame enfurecido de devotos e devotas”  ( Mito e Tragédia na Grécia Antiga –Jan-pierre Vernant – Perspectiva 1ª edição )
Este tipo de fenômeno, estas manifestações coletivas de delírio, que não admitem a passividade de quem os contempla, irrompe com freqüência em diversas épocas, povos, e lugares, com motivações distintas, e não é alheio ao nosso tempo. 
Estas manifestações e loucuras que acontecia nos cultos dionisíacos, não têm nada a ver com demência físicas e loucuras causadas por enfermidades. Estes transe extático era tratado como manifestação de Deus nas populações de cada religião. Assim nos mostra Erwin Rohde – Em seu clássico livro Psique – La Idea Del ama y La inmortalidad entre os griegos pg 144.
Esta loucura,  que no nace de ninguna efermedad humana, sino de una trasposición divina, que hace salir al hombre de su estado habitual”, alcanzó profundas manifestaciones em la mántica y e em La teléstica. Y sus efectos son tan frecuentes y ta reconocidos, que la realidad y la acción de este tipo de locura religiosa que nada tiene que ver com La demencia física son consideradas como um hecho de la experiencia, no ya solamente por los filósofos, sino incluso por los médicos.
Como se sabe, estados de transe podem ser imediatamente induzidos na maioria das pessoas normais por uma serie de estímulos aplicados separadamente ou combinado. Técnicas consagradas pelo uso incluem a ingestão de bebidas alcoólicas, sugestão hipnóticas, rápido aumento do ritmo respiratório, inalação de fumaças e vapores, musica e dança; e a ingestão de drogas como a mescalina ou ácido lisérgico e outros alcalóides psicotrópicos. Mesmo sem contar com esses recursos, o mesmo tipo de efeito pode ser produzido, se bem que mais lentamente, devido á Natureza dos meios empregados, através de mortificações e privações, que auto, quer externamente impostas, tais como jejum e a contemplação ascética.
Temos que fazer algumas considerações sobre o uso do vinho como forma de levar o ser humano ao êxtase. Pelo o que se sabe o vinho era o liquido essencial nas festas religiosas na Grécia antiga, principalmente nas festas do vinho novo que se realizava nas montanhas uma vez por ano. Mas nas outras festas realizadas em Atenas que se tem prova,. nem sempre o vinho era usado para, manifestações religiosas. Existiam outras festas, bienais e outras manifestações na cidade que não incluía o vinho para o êxtase e sim instrumentos musicais.
Plenitude do êxtase, do entusiasmo, da possessão, mas também da bem aventurança, do vinho, alegria da festa, prazer do amor, felicidade do cotidiano, Dioniso pode trazer tudo isso se os homens souberem acolhê-lo, e as cidades reconhecê-lo, assim como pode trazer infelicidade e destruição, se negado. Mas em nenhum caso ele vem anunciar uma sorte maior no Além. Ele não preconiza a funga para fora do mundo, nem pretende trazer às almas através de um modo de vida acético, o acesso à imortalidade. Os homem devem pelo contrario, aceitar sua condição de mortal, saber que não são nada diante das forças que transbordam de toda a parte e que têm o poder de esmagá-los.Dioniso não faz exceção a regra. Seu fiel submete-se a ele como a uma força irracional que o ultrapassa e dele dispõe; o deus não tem contas a prestar; estranho a nossas normas, a nossos usos, a nossas preocupações, além do bem e do mal, surpreendentemente suave ou supremamente terrível, ele brinca de fazer surgir, à nossa volta e dentro de nós, as múltiplas figuras do Outro.( ( Mito e Tragédia na Grécia Antiga –Jan-pierre Vernant – Perspectiva 1ª edição)
Assim Vernant, nos mostra as características deste Deus tão cultuado, e a única forma de compreendê-lo é entrar em seu jogo, vivenciá-lo, estar dentro e presente em toda sua plenitude, onde a dimensão trágica da vida é revelada, sendo como um raio vindo do Além transfigura a morna paisagem da existência cotidiana.

6)   O êxtase Contagioso de Dioniso e sua semelhança com a contemporaneidade 

Como já foi dito o objetivo do culto ao deus era o êxtase, e para isso era usado tanto o vinho, musica, tambores e flautas ritmadas.  Através do êxtase a transformação e a “purgação” das dificuldades que o mundo nos apresenta eram diluídas e aceitas. Enfim sua função psicológica era satisfazer e aliviar o impulso de rejeição da personalidade.
Em todas as sociedades existem pessoas que “ as danças rituais fornecem uma experiência religiosa que parece mais satisfatória e convincente do que qualquer outra......É com os músculos que eles mais facilmente obtêm um conhecimento do elemento divino”( citação de Aldous Huxley – Ends and Means 232, 235).
O movimento rítmico da dança tem um poder poderoso sobre o individuo, que através dela consegui uma unidade e uma experiência fantástica com o divino,  esta experiência pode: curar, pois segundo um sábio maometano “ aquele que conhece o poder da dança habita Deus”. Mas este poder da dança é um poder perigoso é mais fácil começar a dançar do que parar. Na incrível  loucura dançante que invadiu a Europa periodicamente dos Séculos XIV ao XVII, as pessoas dançavam até cair – com um dançarino das Bacantes- ficando inconscientes , sendo pisoteadas por seu companheiros. O movimento dançantes é altamente contagiante ou infecciosa . Como observa Penteu em As Bacantes a loucura se espalha como fogo. A disposição para a dança toma posse das pessoas sem o consentimento da parte consciente da mente. Por exemplo : Muito improvável. É assim que o historiador John Waller, da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA, define seu próprio objeto de estudo. Em seu livro "A Time to Dance, a Time to Die" -Tempo de Dançar, Tempo de Morrer-, recém-lançado nos EUA , ele relata uma epidemia de  dança ocorrida no ano de1518, na França, que tirou a vida de dezenas de pessoas. Improvável, mas real. A "praga" começou com uma mulher, Frau Troffea, que saiu de casa num dia qualquer e pôs-se a dançar freneticamente, sem demonstrar nenhum sinal de alegria. De vez em quando, desmoronava exausta, apenas para retomar seu movimento sinistro algumas horas depois. Após alguns dias, a mulher foi levada à força a um templo, com os sapatos encharcados de sangue. Muitas pessoas, aparentemente sãs da mente e do corpo, também foram repentinamente possuídas por diabos, juntando-se aos demais. Estas pessoas abandonaram seus lares como as mulheres tebanas na peça de Eurípedes. Mesmo as mulheres mais jovens cortavam laços com a família e com os amigos, vagando com os dançarinos. A infecção só cresceu: em pouco tempo, mais de 30 pessoas haviam tomado as ruas perpetuando o transe dançarino. Em pouco mais de um mês, já eram 400. Apesar de não haver um registro exato, estima-se que pouco mais de uma centena de pessoas morreram de exaustão.

Os atingidos pela epidemia de 1518 ocupavam um ambiente de fé que aceitava a ameaça da praga divina, possessão ou feitiço. Eles não tinham a intenção de entrar em estados de transe, mas suas crenças sobrenaturais tornaram isso possível. Nessa área da Europa havia uma crença em uma praga de dança que podia ser enviada por São Vito.em alguns casos a obsessão compulsiva ressurgia a intervalos regulares, crescendo em intensidade até o dia de São João ou de São Vito. Apenas porque as pessoas já temiam esse santo foi possível que o seu estado histérico se manifestasse na forma de uma dança compulsiva e selvagem como as Bacantes nas festas do pico do monte.

Na Itália a “cura” periódica dos pacientes em estado de sofrimento, através da musica e da Dança Extática, parece ter se desenvolvido em um festival anual.

Dionísio está presente na dança de São João e São Vito, como libertador da loucura. Resistir a Dionísio é reprimir o que há de elementar na nossa própria natureza, e o extático é o repentino e completo colapso das represas internas, quando o elementar rompe a compulsão fazendo desaparecer a civilização.

Além disso, há certa semelhança  de detalhes entre a religião orgástica das Bacantes e a religião orgástica de outros lugares que merecem ser notadas, pois tendem a estabelecer que a mênade é uma figura real, não convencional, que existiu com diferentes nomes e em épocas e lugares muitos diferentes.

Podemos dizer que a primeira semelhança diz respeito às flautas e típanos ou tambores que acompanharam a dança mênade das Bacantes. Para os Gregos estes eram os instrumentos “ orgiásticos” por excelência. Eles eram usados em todos os grandes cultos de dança. Tais instrumentos podiam causar loucura e em doses homeopáticas podiam também curar. Dois mil anos depois em , 1518, quando os dançarino loucos de São Vito dançavam através da Alsácia, uma musica similar – musica de percussão e de sopro – foi novamnte usada com o mesmo propósito ambíguo : provocar e curar a loucura.
 Uma segunda semelhança pode se ver ao movimento de cabeça durante êxtase dionisíaco. Este movimento é algo que é repetidamente ressaltado nas Bacantes: “ jogando seu longo cabelo para os céus”; “ eu pararei de puxas seu cabelo para trás”,lançando minha cabeça para frente e para trás como em um bacanal”

Vamos dar três exemplos modernos de semelhança da dança do cabelo das Bacantes:

1) “ contínuo modo abrupto de lançar a cabeça para trás, fazendo o longo cabelo negro retorcer, acrescentava muito a sua aparência selvagem”
 (Citado em Frazer, O ramo de ouro, V.I.19) esta frase é de um relato missionário sobre uma dança canibal na Columbia Britânica.

2)“ seu longo cabelo foi sacudido pelos rápidos movimentos da cabeça para frente e para trás, acima da garganta inchada e protuberante” (E.R. Dodds-)
Esta frase descreve uma dança sagrada de devoradores de bode no Marrocos.

3) ..”a cabeça era sacudida de um lado para o outro ou lançada bem para trás, acima da garganta inchada e protuberante” este relato é uma descrição clinica de histeria possessiva feita por um médico francês.

Podemos citar outras semelhanças: os dançarinos extáticos de Eurípedes “ carregavam fogo em suas cabeças sem se queimar” ( Rohde, Psyque, VII n.43)
A dança do fogo é um ritual comum em nosso meio. Podemos citar Dança feita em homenagem a XANGÔ, o Deus do Fogo e dos Trovões.
Esta é uma das danças mais conhecidas e apreciadas da maioria do povo. É uma dança onde os bailarinos erguem tochas, dançando com elas, fazendo acrobacias, círculos, espirais, passando-as pelo corpo, deitando-se no chão, girando sobre elas, etc. Sem si queimar. Ao mesmo tempo em que dançam, acompanham o ritmo da música com o bater de pés, cantos e gritos de alegria.
( Cordão de Ouro Mangalot – Pirituba –SP Brasil)

A Caminhada sobre Brasas permite atingir um estado de plenitude e vivenciar uma experiência de profunda confiança em si mesmo. Dizendo sim para os próprios medos e usando-os como aliados, permitiremos que eles se dissolvam deixando espaço para a nossa energia criadora ferver em excitação e se expandir em direção a nossa realização e felicidade. ( Seminario com Daniela O Shinyos – O fogo da transformação – Piasada Café RS)

O mesmo acontece em viárias partes do mundo. Os dançarinos se apresentam como invulnerável enquanto Deus estiver com eles, exatamente como o Dançarino de Citeron

E.R.Dodds faz uma discrição da semelhança do uso da dança e da musica tipo extática em seu livro – Os Gregos e o Irracional – o uso espontâneo e curativo da dança e da musica tipo extática composta de: trompete, tambor e flautim na Abissínia no século XIX. Nathanael Pearce  escreveu um relato de 1810 a 1819, e apresenta vários pontos em comum com a descrição de Eurípides. No memento culminante da dança a paciente “ executava o movimento com tal velocidade que o corredor mais rápido não conseguiria alcançá-la, e quando ela havia percorrido uma distância de cerca de 180 metros, caía repentinamente, como que atingida por algo” existe uma passagem semelhante nas bacantes versos 1089 1090 ....não menos velozes que uma pomba eram os pés que as levavam em sua corrida impetuosa.....atravessaram de um salto a torrente da ravina e dos rochedos, enlouquecidas ....( As bacantes –Versão Universidade Coimbra- Portugal) “ Durante estes ataques eu os via dançar com uma garrafa sobre a cabeça, sem no entanto o líquido que ela continha, ou mesmo deixar cair a garrafa, embora seu corpo assumisse as extravagantes posses”.

7     Conclusão

Poderíamos, relatar vários exemplos de manifestações das extáticas religiosas  das Bancastes de Eurípedes acontece hoje em várias partes do mundo, de certa forma modificada mais muito semelhante.

 Sendo assim o uso de paralelos com a modernidade serve para esclarecer os fenômenos culturais e religiosos durante a história. Nenhuma geração pode fugir de sua própria sombra, nenhuma geração pode fugir de sua própria história, sem fazer referencia consciente ou inconscientemente, os seus próprios problemas.

Não podemos desconsiderar, que os elementos irracionais da natureza humana que governam, sem que o saibamos, muito de nosso comportamento e daquilo que acreditamos pensar.

Assim tentei mostrar que as manifestações extáticas religiosas que Eurípedes escreveu em suas Bacantes, não devem ser vista como imaginação. Mas existe sim uma relação mais intima com o culto real.

Dioniso ainda possui seus devotos ou suas vítimas, embora os denominemos atualmente de outra maneira; e, à sua época,Penteu teria sido confrontado a um problema que outras autoridades civis confrontavam na vida real.     

Termino este trabalho com uma citação do Filosofo e Historiador Mircea Eliade. Diz ele: “ ....toda manifestação do sagrado é importante; todo rito, mito, crença ou figura divina reflete a experiência do sagrado e por conseguinte implica as noções do ser, de significação e de verdade... É difícil imaginar de que modo o espírito poderia funcionar sem a convicção de que existe no mundo alguma coisa de irredutivelmente real; e é impossível imaginar como a consciência poderia aparecer sem conferir significado aos impulsos e às experiências do homem. A consciência de um mundo real e significativo está intimamente legado à descoberta do sagrado. Por meio da experiência do sagrado, o espirito humano captou a diferença entre o que se revela como real, poderoso, rico e significativo e o que é desprovido dessas qualidades, isto é, o fluxo caótico e perigoso das coisas, seus aparecimentos e desaparecimentos fortuitos e vazios e sentido.....Em suma, o sagrado é um elemento na estrutura da consciência, e não uma fase na história dessa consciência. ( Historia das das Crenças e das Idéias Religiosas I – Mircea Eliade –Editora Jorge Zahar. Ed 2010 – Pag. 13) 



Referências Bibliográficas:

ROCHA, Maria Helena-EURÍPEDES- As Bacantes de Eurípedes - Trad. Maria Helena da Rocha Pereira – Lisboa - Universidade de Coimbra – Edições 70, ltda. 1998
- VIEIRA- Trajano, As Bacantes de Eurípedes/ Trajano Vieira – São Paulo: Perspectiva, 2003
- ROHDE,Erwin. PSIQUE- La Idea Del alma y La inmortalidad entre los griegos. Trad.de Wenceslao Roces- México -1ª Edição em español – 1948-
-VERNANT, Jean-Pierre – Mito e Tragédia na Grécia Antiga- São Paulo - Perspectiva, 2008.
-KERÉNY, Carl – Dioniso/ Carl Kerény. Trad. Ordep Trindade Serra: rev. Rosana Citino. São Paulo: Odysseus, 2002.
-DODDS, E.R – os Grego e o Irracional/E.R.Dodds; tradução de Paulo Domenech Oneto – São Paulo: Escuta, 2002.
-ELIADE,mircea – História das Crenças e das Idéias Religiosas, Volume I/ Mircea Eliade; tradução Roberto Cortes de Lacerda – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2010.
-LEWIS, Ioan m.- Êxtase Religioso – Tradução José Rubens Siqueira de Madureira – Editora Perspectiva – São Paulo.

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