terça-feira, 26 de outubro de 2010

"A PERCEPÇÃO MUSICAL". Maíne Batista

A PERCEPÇÃO MUSICAL

O Artista Filosófico – a música nas querelas da modernidade
Maíne Batista

Alguns filósofos, como Pitágoras, defenderam a música como um sistema lógico matemático, mas acabaram por perceber a música como fonte de prazer. Jean-Philipe Rameau defendia uma música cartesiana, composta através do “Discurso do Método”, referindo-se às sensações musicais como aparência do som, enquanto Jean-Jacques Rousseau defendeu que toda emoção musical se passa no coração. Rameau e Rousseau criaram então a primeira querela musical que começou com no século XIII se mantém viva até hoje. José Júlio Lopes[1] afirma que a origem do pensamento sobre a música, em grande medida, só é possível quando o homem tem a consciência do seu funcionamento, isto é, quando a música se torna objeto de estudo (2002:8), neste caso as querelas foram de suma importância neste aprendizado.

Nesta querela, Rousseau propunha uma gênese comum para a linguagem e para a música.  Isso permitiria revelar duas propriedades essenciais da “música-poesia”: a primeira de natureza emotiva, que diria respeito diretamente ao coração e às paixões e, a segunda, “da ordem da comunicação imediata, é a forma de circulação das emoções que vai de um coração para outro, num caminho mais direto, permitindo uma penetração recíproca”. Com esta tese, Rousseau adota que “a música é originalmente melodia, é sua gênese é pré-harmônica, visto que ela teria nascido simultaneamente com as línguas naturais, das quais se teria separado a partir do processo gradual da prosódia”[2] (LOPES, 2002:8). Assim, Rousseau acaba por ratificar que a união texto-música, ou seja, a canção, junção de componentes linguísticos (letra) de caráter racional, com o componente musical (melodia) de caráter subjetivo, uma síntese: uma arte que reúne “música e poesia, entonação e discurso, como meio de expressão” (AGUIAR,_______:131).

Encontrar a origem da língua implicaria em encontrar, ao mesmo tempo, uma origem para a música. “A música, afinal, é a única capaz de operar entre os homens (seres individuais e divididos) a possibilidade de uma “penetração recíproca” (LOPES. 2002:10). A voz seria o primeiro meio que, com a melodia adequada, expressaria as emoções.

Para Rousseau, a música nos povos primitivos se dirigia às paixões, e não a um objeto necessário. A música seria um fenômeno de comunicação da ordem da linguagem: “ela não imita objetos, ela imita sentimentos” (LOPES. 2002:11).

Theodor Adorno, filósofo da Escola de Frankfurt, considera que, durante o último século (séc. XX), a harmonia tradicional foi perdendo sua importância: “A possibilidade da própria música tornou-se incerta” (ADORNO, 1973:112 apud LOPES, 2002:11). Segundo ele, a crise na música é o “reflexo do carácter a-social (e não-harmônico) da música e, por isso mesmo, cercada pela suspeição (senão mesmo pela rejeição) dos seus destinatários”.

O compositor de vanguarda Henri Pousseur também discute a relação entre música, semântica e sociedade. Ele defende que determinadas concepções musical atuais pretendem, no discurso, se mostrarem descoladas da realidade, mas, no fundo, toda a música teria uma intencionalidade, de acordo com os códigos que vigoram em seu contexto social: a obra fará uso de uma mecânica de paixões a serviço de uma música para mover almas (POUSSEUR, 1984:17 apud LOPES, 2002:12). O conceito de intencionalidade do fenomenólogo Frans Brentano comporta os conceitos de amor e desejo, de uma consciência que sempre se dirige ao mundo.

Conhecer como se aplica o conceito de intencionalidade será o objetivo deste trabalho.  Os filósofos da modernidade continuam a olhar a música como instrumento de manifestação social, e a comunicação vem se apropriando destes pensamentos para criar novos modos de produção e consumo de bens, bem como arranjos utilizados nos processo de comunicação midiática.

Para tal, é necessário conhecermos os elementos construtivos da música-poesia, que chamaremos corretamente de canção, distinguindo as partes constitutivas do som: “harmonia” e linguagem, compreendendo desde a dimensão interna (música / letra) até as suas relações com outras linguagens de expressões artísticas.

Especificamente este trabalho irá identificar os princípios da condição humana necessários para o aprendizado da canção, em particular a Música Popular Brasileira, por esta pertencer a nossa realidade. Para tal, vamos nos apropriar de conceitos e abordagens teóricas, filosóficas e científicas que nos encaminharão para um movimento necessário para esclarecer estas questões.

O CAMINHO DA PERCEPÇÃO Á RAZÃO

A razão nasce da emoção e está intimamente ligada à cognição. O conhecimento, por sua vez, acontece por meio da aprendizagem e das relações que são feitas durante esse processo.  Isto é, de um todo aprendido, uma parte é esquecida e outra é retida. Nesse processo de cognição, o receptor fará uma avaliação do objeto em relação às experiências anteriores e às estruturas para, posteriormente, o cérebro comandar uma reação ou ação. O nascimento da emoção acontece em função da percepção do objeto ou de sua lembrança. Objetos distantes no tempo e no espaço não podem ser percebidos, somente evocados ou imaginados.

A emoção musical aflora no instante da percepção ou no resgate da memória. Esta memória teria características saudosistas e comporia o que se chamou de “Memória Social”, com elementos construtivos particulares e partilhados, como a saudade das músicas dos anos 80. A “Memória Social” impediria que o valor sentimental deste discurso fosse tomado como simples descrição do passado (NASCIMENTO, 2004).

Estudiosos defendem que a emoção musical sendo única para cada ouvinte e variável de uma escuta para outra. O Instituto de pesquisa e Coordenação Acústica/Música (Ircam), em Paris, e o Laboratório de Estudos das Aprendizagens e do desenvolvimento (Lead), em Dijon (França) comprovaram que a percepção musical é muito estável, tanto no plano individual, como entre diferentes ouvintes, formulando a ideia de que as “emoções musicais garantem uma função de coesão social de uma cultura”:

Deduz-se – este é o ponto essencial – que a música não evoca emoções apenas de acordo com a história pessoal de cada um, mas que de fato as cria e que, as emoções musicais resultariam em processos cognitivos específicos (VILLEARD, 2005:56).

Segundo Merleau-Ponty “... é pela música que penetro em sua emoção musical, é a própria coisa que me dá acesso ao mundo privado de outrem. Ora, a própria coisa, já vimos, sempre é para mim a coisa que eu vejo” (1971:22). A música seria:

...comunicáveis a todos os que ouvem, mesmo a contra-gosto, e mesmo que não saibam, depois, reconhecê-las nos amores de que são apenas testemunhas – o mesmo diz Proust, em geral, de muitas outras noções que são, como a música, “sem equivalentes”, as noções da luz, do som, do relevo, da voluptuosidade física, que constituem as ricas possessões com que se adorna o nosso domínio do interior (MERLEAU-PONTY 1967:144).

Diante da música, como diante de qualquer objeto, teremos a percepção da própria coisa. Assistimos assim a totalidade dos objetos que ultrapassa “o que se acredita” ser suas condições ou suas partes: “o mundo é o que eu percebo”.

A sensação e a percepção são imprescindíveis ao processo de conhecimento. Assim Merleau-Ponty busca esclarecer a relação entre corpo e consciência, com base para a compreensão do fenômeno, enfatizando a experiência e a relação entre o organismo e a consciência, ressaltando que em tudo há sentido e que não há movimento em si no corpo. O corpo estaria associado “à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem, ao mito, à experiência vivida, à poesia, ao sensível e ao invisível”, apresentando-se como fenômeno, não se reduzindo à perspectiva do objeto (NÓBREGA, 2008:101). A partir desta afirmação, podemos entender que alguns sentidos podem ser construídos artificialmente: pelos conceitos, pela linguagem e pela cultura. Com as possibilidades de expressão elaborando sentidos “para nós, para o outro e para o mundo”.

Segundo o Gestaltismo (Escola de Berlim) integrado por Wertheimer, Kohler e Koffka, sobre a influência da fenomenologia de Husserl., a representação ou assimilação do objeto se dá através percepção da forma. Percebemos o objeto como o todo, em função de uma perspectiva, de um contexto ou de um sistema referencial. Não percebemos apenas as propriedades do objeto (sua natureza concreta), mas sua estrutura; percebemos também objetos de formas idealizadas e sob perspectivas diferentes. Os gestaltistas consideraram dispensável o conceito de sensação, não consideram sensação e percepção como funções distintas, tendendo a falar somente da percepção (PENNA, 1973:16).

A psicologia da forma, ou Gestalt, ressalta que o homem, de forma consciente, tem a capacidade de captar os objetos em sua totalidade, em seu conjunto, pois a percepção não se dá de forma fragmentada: objeto imediato é percebido em sua totalidade, para depois uma posterior descoberta dos detalhes.

... todos nós atingimos o mundo e o mesmo mundo, ele é todo para cada um de nós, sem divisão, nem perda porque é o que pensamos perceber, o objeto indisivo de todos nossos pensamentos, a unidade... (MERLEAU-PONTY, 1971:40).

As leis gestaltistas mostram como a percepção trabalha em função de “perceber” os objetos, levando-os à simplificação e boa forma. A pregnância é uma das mais importantes leis gestaltistas para o conhecimento do objeto musical. É preciso conhecer o grau de pregnância de um objeto, forma ou som, e estudá-los de forma qualitativa, prevendo sempre qual será o impacto da percepção no receptor.

Desse modo segundo as leis de Gestalt, a percepção acontece em maior ou menor grau. Quando percebemos uma música, percebemos o seu todo, incluindo a estrutura que a acompanha, sejam ela emocional ou não. Esta estrutura deverá ser compreendida pelos indivíduos tal qual a performance que acompanha a canção é composta por diversos elementos: a voz como assinatura, o momento particular vivido, a gestualidade etc. Caso não haja assimilação de suas estruturas, tudo cairá no que os gestaltista chamam de “casualidade”, ou seja, quando o objeto é percebido, mas não conceituado.

Segundo Merleau-Ponty, a percepção das coisas é mutável, não no sentido de verdadeira ou falsa, mas do pertencer da experiência no mundo, “a título de possibilidades do mesmo” (1973:49). Assim, “músicas enlatadas” conhecidas como música ligeira, objeto de estudos de Horkheimer e Adorno, terão sua duração temporal mais curta e sua lembrança limitada.

Para Edmund Husserl, retenção representa algo que logo estará em processo de desaparecimento, e a memória corresponde ao esforço para a recuperação desses dados (PENNA, 1973). Logo, a aprendizagem acontece em função da retenção. Sem ela, não há aprendizagem. A quantidade de informações retidas durante a aprendizagem depende do acúmulo dos “efeitos” de prática, isto é, da freqüência de exposição do objeto ao receptor. Quanto mais for exposto, ou quanto maior a carga de informação, maior será a possibilidade de retenção da informação (DEESE; HULSE, 1975). A retenção indica até que ponto a percepção do objeto aprendido é conservado e, o esquecimento refere-se à parte que será perdida ou descartada:

Quantidade Esquecida (parte perdida) = Quantidade Aprendida – Quantidade Conservada (retenção)

O TEXTO DA MÚSICA

Para Paul Zumthor, teórico suíço radicado no Canadá (MATOS,______: 2), a canção popular pode ser definida como “a poesia cantada”; seria a “palavra poética, voz, melodia – texto, energia, forma sonora ativamente unidos em performance, corrente para unicidade de um sentido”. A canção se faz obra, através da interação de três elementos: performance, texto poético e música; um triângulo estético e semiótico.

Mikhail Bakhtin, filósofo e linguístico, famoso por seus pensamentos sobre a prosa no campo da concepção de linguagem e literatura, propõe o discurso poético como texto da canção. Mas, para o entendimento da música, é preciso conhecer o conceitos de polifonia, dialogismo e intertextualidade, conceitos do pensador:

...o conceito de polifonia e de dialogismo apropriado por Bakhtin para entender a multiplicidade de discursos presentes no discurso.
Bakhtin , afirma a necessidade de considerar os enunciados como compostos de vozes (pontos de vista, visões de mundo, tendências, etc.) que dialogam umas com as outras, e que servem para mostrar que não existe enunciado puro. A essa interação ou confronto de vozes - explícitas ou implícitas - no interior de um texto (conjunto coerente de signos) Bakhtin dá o nome de polifonia.
A forma como essas "vozes" se justapõem, ou seja, a forma como elas dialogam, este autor denomina de dialogismo. É exatamente através desta forma de diálogo que é gerada a significação, que não é dada, mas sim construída na interação.
A heterogeneidade de vozes da enunciação vai buscar referências em outras falas, em outros textos, na rede infinita entre os sentidos que constituem a linguagem.
No discurso, quando se declara algo, é sinal de que alguma coisa já foi dita anteriormente, ou que certamente virá depois, mesmo que os enunciados apareçam soberanos em si mesmos. As frases independentes podem sê-lo em gramática, mas certamente não na teoria pragmática do discurso (MOUILLAUD, PORTO. 1997).

Podemos dizer que o conceito de dialogia confunde-se com polifonia.  Nele se enquadram a prosa como gênero literário, que contempla as manifestações da natureza e se recusando a dar a última palavra, sendo um gesto democrático, um gesto político de aceitação das outras vozes. A “linguagem romancesca”, uma espécie de positivismo literário, “um valor desejado para vida: nós devemos ser polifônicos” (TEZZA, 2003:1).

No “O Discurso no Romance”, Bakhtin teorizou sobre a poesia, dando-lhe um sentido estrito monológico. A poesia foi considerada um gênero centralizador da linguagem, “um gênero cujo discurso, repetindo Bakhtin, satisfaz a si mesmo e não admite enunciações de outras fora de seus limites”.Contendo um único ponto de vista, a poesia é “autoritária, dogmática e conservadora” (TEZZA, 2003: 1).

Bakhtin considera a poesia uma linguagem distante de todas as outras, uma linguagem dos deuses, sacerdotal. Tal ideia afetou profundamente as elites, pois a implicação política, essa afirmação, abre uma discussão sobre a posição da elite letrada e sua forma literária monológica que se distancia do proletariado em suas posições (TEZZA, 2003).

A voz sempre foi tida como parte fundamental da estrutura das diversas culturas, e a canção popular nasce à busca de representação das classes menos abastadas. A poesia é uma forma de discurso literário da elite e tem sua construção estritamente monológica, pressupondo um discurso antidemocrático, que não permite a interação com outras vozes; enquanto a prosa apresenta-se extremamente democrática, dialógica e de sentido polifônico, à medida que permite o entrelaçamento de várias vozes.

Christiano Câmara[3], crítico da Música Popular Brasileira, afirma que a maior parte da nossa musica popular não é popular. Para ele compositores, como Chico Buarque, não fazem “música popular”, pois o nível intelectual exigido para o entendimento de suas letras afasta a maior parte da população. Mas, Chico Buarque, dentro de seu “metier” é formador de opinião e um grande arquiteto das emoções. Pergunta-se, então: a canção popular brasileira, tendo como seu texto a poesia, é dialógica ou monologica?

Na proposta bakhtiana, a poesia é discurso monológico, uma vez que é um discurso tão introspectivo no qual não caberiam outras vozes. Apresenta-se como um mergulho no “próprio eu”, aliado aos movimentos performáticos: a vocalidade, teatralidade e corporiedade, seriam indubitavelmente únicos dentro do discurso poético. 

A corporeidade é entendida em Merleau-Ponty como “arranjo paradoxal do corpo em movimento” e sendo percepção um elemento significativo para compreender a “operação expressiva do corpo, iniciada pela menor percepção, que se amplifica em pintura e arte” (MERLEAU-PONTY, 1997:73 apud NÓBREGA, 2008:95).

Merleau-ponty preocupa-se com a harmonia corporal, entendendo-a como: a harmonia do corpo consigo mesmo, com os outros e com as coisas. Uma realidade ontológica, considerando a sua relação com o sensível, com a realidade do corpo em movimento. Assim Merleau-ponty reabilita o sensível nesta definição ontológica do ser humano e no campo epistemológico, abrindo este pensamento a várias ciências interessadas nos “novos olhares sobre o corpo e o fazer humano” (NÓBREGA, 2008:97).

Diversos conhecimentos como a comunicação, o marketing e a publicidade utilizaram a MPB para direcionar algum tipo de comunicação ao seu público-alvo, funcionando como geradora de tendências e costumes.
  
A moderna canção popular, a MPB, nasce e se constitui no espaço fonográfico e da mediatização. Segundo Alfredo Salazar, a MPB é o “reflexo livre da criação de todos os níveis; revela as influências sociais determinadas por um momento histórico”.

Percebemos de acordo com os padrões convencionados pela mídia, isto é, em função das expectativas dominantes da comunicação cultural. Neste quadro o percebedor é aquele que atua, tanto se consumando dentro dos grupos sociais, como se direcionamento em função do agir.  A uma assimilação de padrões de comportamento “aprender uma função, é realmente, aceitá-la, na medida em que ele nos é exigida ou imposta por certa estrutura. De Fato, elas não resultam de um ato livre e discricionários do percebedor que, antes, é compelido a reconhecê-las e acatá-las (PENNA, 1973:41).

No livro “Brasil musical – viagem pelos sons e ritmos populares”[4], o maestro Radamés Gnatalle (maestro e compositor erudito), diz que a Bossa-Nova deu uma nova roupagem ao samba “Copacabana”, interpretado por Dick Farney, composto pela dupla João de Barro (o Braguinha) e Alberto Ribeiro. Segundo ele, nada nesta situação foi por acaso, “nem a ode ao bairro” e nem o encontro de seus compositores, do maestro e de seu intérprete. A letra “Copacabana foi o símbolo do deslocamento imobiliário da então capital do país para a zona sul através de uma burguesia emergente”.

A fim de apreciar a percepção do sujeito em relação a MPB, seguem-se alguns parâmetros;

1.       A maioria das canções tem, em sua parte verbal, a poesia. Um discurso monológico, que absorve todos os outros discursos;
2.       A voz, como assinatura, concentra particularidades da canção;
3.       A MPB, por si só, já determina seu público;
4.       No momento da recepção, a audição musical busca na memória as estruturas componentes das memórias sócias e pessoais do receptor.

Considerando estes quatro parâmetros, concluímos que, na canção da MPB, o espectador criará e recriará significados para a música dependendo da percepção perspectiva, seu quadro de referencia social e sua lembranças. Da mesma maneira, a assinatura vocal levaria o receptor da música ao resgate de um determinado momento específico de sua vida, ou mesmo de algo que não viveu, já que a canção tem sua época como ruído de fundo.

AS EXPERIENCIAS GESTALTISTAS

Com esta análise, voltemos aos conceitos da Gestalt que diferenciarão as experiências. Segundo Dufrenne (apud PENNA, 1973:132), há duas formas de análise: da experiência comum e estética, com relevantes diferenças.

Primeira, com íntimo vínculo com os processos imaginativos e intelectuais ou reflexivos, tendo como consequência as experiências perceptuais cotidianas, que nunca se dão em estado de pureza, pois são vividos como estados preparatórios para práxis, isto é, para uma consequente informação para o agir. A experiência comum se orienta para a busca de informação sobre o objeto, que se consuma à medida que são assimiladas as relações com os demais objetos a sua volta, em desempenho com os componentes contextuais: “perceber um objeto é, pois, percebê-lo em função de um campo sobre cujo o fundo ele se projeta” (PENNA, 1973:89).

A perspectiva estética é “de saída, conceituada como a forma real (perception royale)” em que o ato perceptual se revela em toda sua pureza, sem as contaminações produzidas pela imaginação e pela reflexão. Compõe-se de forma privilegiada de “apreensão de uma presença”, ela não se visa a práxis, configura-se por ser uma forma desinteressada de confrontação com o objeto. Assim, nela aceitamos como real a irrealidade. “Em suma, o objeto estético não reclama do “perceptor” o próprio ato perceptual (PENNA, 1973:89).

CONCLUSÃO

A canção absorve e reflete sua época e pode ser usada como um espelho da sociedade, elas criam ambientes estereotipados de padrões sociais do que é “bom”. Atualmente percebemos que os veículos de comunicação midiátios, incluindo a internet e seus meios sociais, têm como intenção direta vender um comportamento ou tendência e, posteriormente às diversas marcas que irão afirmar este comportamento como bom.

Este estudo procurou bases teóricas filosóficas que explicassem como acontecem estes fenômenos. O entendimento dos princípios postulados por Merleau-Ponty, Husserl, e pela Escola de Gestalt, entre outros, foram de fundamental importância para conhecimento da função da canção popular dentro da sociedade e de como a música age, de maneira particular e partilhada.

Concluímos que a estrutura da canção pode ou não ser desenvolvida com intencionalidade de vender um comportamento ou tendência, mas que ela por si só tem este poder. Tomando emprestadas teses gestaltistas, constatamos que é possível se criar produtos, marcas e idéias que sugiram ao “percebedor” o conceito do que é “bom”:

A tese central sustentada por Wertheimer[5] é a de que toda a nossa atividade perspectiva se subordina a um fator básico por ele designado de boa forma ou de pregnância (prägnanz), ao qual se associam fatores complementares tais como: proximidade, semelhança, movimento, boa continuação e destino comum. Estes últimos se constituem nas condições através das quais tem consumação a forma pregnante ou privilegiada (apud PENNA, 1973:107).

Auxiliamos-nos de autores de diversos campos das ciências e da filosofia que postularam a filosofia gestaltista:

 

“Na realidade, o Gestaltismos não recusa a influencia eventualmente estruturada da experiência. Admite-a como fator complementar” (...) “Debates travados em torno da subordinação ou não dos padrões perceptuais à experiência permanecem inteiramente abertos no tocante à questão do espaço” (PENNA, 1973:135).


Devemos ressaltar que pesquisas em torno do objeto e sua percepção são desenvolvidas pela escola de Gestalt.  São elas: o método de observação, especialmente sob a forma introspectiva; o método experimental, representados pelas técnicas psicofísicas, e o método de reprodução e comparação ordenada. As pesquisas são realizadas para observar o trabalho de definição dos processos perceptuais e o trabalho de identificação dos estímulos correspondentes. Todos os dados mensurados deverão ser de caráter qualitativo, e estes podem produzir resultados de “extraordinária significação” (PENNA, 1973:22), levando em consideração que o conceito fenomenal aponta para a integração entre “percebedor” e objeto percebido, tanto resaltado por Merleau-Ponty e que garante uma posição indiscutivelmente dinâmica ou funcional do gestaltismo.

Buscamos neste estudo responder a duas questões que nos eram caras: saber qual o papel desempenhado pelo estímulo sensorial musical desenvolvimento individual e coletivo e, qual a sua importância na condução do individuo.

Concluímos que os processos perceptivos dependem de fatores objetivos, da natureza da apresentação dos estímulos, de sua intencionalidade e de fatores subjetivos, que são representados pela “personalidade, motivos e atitude do perceptor” (PENNA, 1973:67). A forma como a canção é transmitida exibe não só suas configurações internas, mas também se exibem como portadoras de valores, estéticos destituídos da práxis ou comuns, indo em direção ao agir, configurando grande oportunidade para as ciências de comunicação de massa.



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BIBLIOGRAFIA FONOGRÁFICA E AUDIOVISUAL

ALMANAQUE. Entrevista Christiano Câmara (Vídeo). GloboNews, 08.04.2005.

CÂMARA, Christiano. Entrevista “Christiano fala sobre Música Popular Brasileira” (CD). Fortaleza: ______,2005.

CÂMARA, Christiano. Palestra “O alcoolismo na Música Popular Brasileira” (CD). Fortaleza: Centro Bando do Nordeste, 2004.

CÂMARA, Christiano. Palestra “O tabagismo na Música Popular Brasileira” (CD). Fortaleza: Centro Bando do Nordeste, 2004.

CÂMARA, Márcio. Curta Metragem “Rua da Escadinha 162” (Vídeo). Fortaleza: Cine Arte Posto 4, 2003.







[1] Professor investigador no CESEM (Universidade Nova de Lisboa).
[2] Prosódia é o estudo do ritmo, entonação e demais atributos correlatos na fala.
[3] CÂMARA, Christiano, Rua da Escadinha 162 (Vídeo)
[4] SOUZA; VASCONCELOS; MOURA; MÁXIMO; MUGGIATI; MANSUR; SANTOS; SANT’ANNA; CÁURIO, 1988, p. 200.
[5] Wertheimer - Teórico da Gestalt

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